A super-heroína da décima dimensão
Dizem os expert em física
quântica que nosso universo tem 11 dimensões, sendo quatro delas perfeitamente
definidas e as outras sete pequenas e enroladas. As quatro conhecidas são o
espaço contendo três dimensões – comprimento, largura e altura - e o tempo,
associado de forma inseparável das outras três, que constituem o espaço. Mas
não sabemos que dimensões são essas nem as suas características, porém temos
razões de sobra para acreditar que existem, porque os físicos não erram muito.
Sabemos algo mais. Quem nos conta é Castrina, uma viajante do Universo. Mas
para melhor entendermos como são essas “pequenas” dimensões, que assim mesmo
são imensas, olhemos para uma caneca com alça. Abstraindo-nos do tempo, vemos
perfeitamente as três dimensões no corpo da caneca. A alça seria uma dessas
dimensões “extras”. Vemos que a alça tem dois pontos comuns ao corpo da caneca
– o nosso espaço tempo que sentimos e vemos - e que também fazem parte dela. É
nesses dois pontos comuns que se fazem certos tipos de troca de informação.
Como “informação” podemos considerar a passagem de partículas, ondas, corpos de
qualquer dimensão. A física quântica também nos diz que a probabilidade de
alguma partícula passar dessa dimensão (a da alça) para o corpo da caneca é
ínfima, mas que se esperarmos o tempo suficiente, acontecerá e poderemos
estudar esse fenômeno. Como este Universo tem um tempo finito de existência
dentro de um “universo” de universos de tempo infinito para trás no tempo, tal
passagem de dimensão estaria mais do que na hora de acontecer.
E que aconteceu com Castrina.
Foi numa tarde de Outono quando as folhas das árvores caem tingindo o chão de
cores pastel de marrom e amarelo, o vento faz rodamoinhos levantando-as e a
chuva cai intensa alagando estradas, campos, cidades. Certos fenômenos passam
desapercebidos e criaturas podem passar de uma dimensão para outra sem deixar
rastro. Umas esfumam-se na neblina. Outras sofrem metamorfoses e logo se juntam
a nós sem qualquer diferença aparente. Uma só, tanto quanto sabemos, se
materializou tal como era na outra dimensão. Quando o raio caiu perto da torre
da Igreja sem fiéis, que agora era usada como museu, e a fumaça se esvaiu no
nevoeiro, lá estava aquela figura, com um joelho no chão, o outro dobrado,
curvada sobre si mesma, um cotovelo sobre a perna dobrada, a mão esquerda
tocando o chão para se apoiar. Seu corpo ainda fumegava, brilhando por pequenos
raios azulados que lhe percorriam o corpo. Primeiro pensei que fosse alguém
atingido pelo raio, mas quando olhou na minha direção, percebi que era um ser
estranho. Respirava normalmente. Não tinha qualquer meio de se mimetizar ou
adquirir nossas formas. Tinha mãos com garras como se fossem de águia, pés e
mãos com quatro dedos, cabeça um pouco grande, totalmente imberbe, pele
aveludada ligeiramente azulada, veias esverdeadas. Podia considerar-se um ser
agradável, embora tivesse os dentes pequenos. Ria facilmente e aprendeu nossa
língua, o português em dois dias de convivência na casa onde a escondemos da
mídia. Seus alimentos eram tão similares aos nossos, conforme contou, que não
houve preocupação alguma quando preparamos a comida. Comeu com parcimônia. Gostou
do vinho, preferindo sucos e água. Minha amiga Ivone que trabalha numa clínica
tratou de analisar o sangue de Castrina. Incrivelmente semelhante ao nosso, as
células reprodutivas com 48 cromossomos. Grande probabilidade de cruzar-se com homens
e vir a gerar filhos. Mas Castrina tinha outras intenções; queria voltar para a
sua dimensão onde estava sua Galáxia, seu sistema solar, seu planeta, seus
familiares, amigos, sua vida.
Aquela dimensão extra de
onde vinha tinha certas características diferentes. Tal como na corrente
elétrica, onde temos a corrente alternada e a contínua, lá era o tempo que
podia ser alternado ou contínuo. Ou seja, aqui na terra, o tempo parece fluir
numa só direção, sempre para o futuro, tal como na corrente elétrica contínua,
mas lá, na sua dimensão, Castrina podia usar o tempo, fazendo-o ir e voltar,
não só rumo ao futuro mas fazê-lo voltar para trás ou mesmo congelá-lo pelo
tempo que desejasse. Além disso, ela é muito inteligente. Para poder andar
pelas ruas sem sermos incomodados, criamos um traje especial para ela: Um traje
de médica, com luvas e máscara para que não reparassem muito em suas
características. Uma boa maquilagem resolveu o problema da pele.
Percebi seus super poderes
quando um dia passamos pela rodoviária Novo Rio, no Rio de Janeiro. Íamos para
S. Paulo e vimos pessoas carentes nas imediações. Eram carentes de residências,
de dinheiro, de amor, de vontade de progredir, pessoas abatidas pelas forças
ocultas da sociedade que não lhes permite melhor vida, e algumas derrubadas
pelas drogas, mas sobretudo carentes de amor e de oportunidades. Contei-lhe o
caso de um casal de mendigos que encontraram uma bolsa com bastante dinheiro
dentro o haviam devolvido ao dono. Este, em reconhecimento lhes deu postos de
trabalho em seu mercado, tirando-os daquela vida. O que eles precisavam era
apenas de amor, compreensão e de uma oportunidade. Há muitos assim pela vida,
quase todos, mas não encontram dinheiro para devolver todos os dias e sem isso
a sociedade não os percebe e passam indiferentes pensando para si mesmos: Deus
me ajuda porque não estou na miséria como eles.
Não entendem que Deus não cuida dos bens materiais nem recebe dízimos.
Isto é coisa de quem não conhece Deus.
Castrina então se sentou ao
lado de uma família de mendigos, debaixo do viaduto, perto de uns containeres
de lixo, e falou com eles pondo-lhe as suas mãos sobre a cabeça. Em breves
minutos, não mais do que cinco ou seis, os mendigos levantaram-se. Olharam para
ela, mas sua postura era diferente. Agora já não eram mendigos. Apenas estavam
vestidos de mendigos. Sua postura, seu olhar era completamente diferente.
Pegaram uns trocados que tinham no bolso, talvez uns cinco reais e foram tomar
banho na rodoviária. Sua vida começara a mudar naquele instante. Deixariam em
breve a pobreza e a miséria. Castrina me disse que como todos sabíamos, a
educação é a base das atividades de sucesso de uma sociedade. Depois se adquire
a postura, o modo de falar, e se adquire a segurança de expor as necessidades e
de obter sucesso. Uma sociedade educada não elegeria os governantes que tem. O
mundo seria outro. O que mais se inibe neste planeta é o conhecimento e se usam
os mais torpes motivos, a maioria inventados, para afastar todos aqueles que
têm boas intenções e expõem suas idéias contra os que se aproveitam da
ignorância para governar o mundo da sua forma. Quando voltamos de S. Paulo, uma
semana depois, fomos até debaixo do viaduto e já não vimos aquela família. Ao
apanharmos um táxi, o motorista era o chefe de família que ela tinha
“abençoado”. Digo abençoado, porque é o adjetivo que melhor se coaduna com os
fatos, em meu entendimento.
Pediu-me um dia que a
levasse a uma cracolândia. Segundo ela, nosso corpo pode produzir todas as
drogas neuronais que provocam a sensação de felicidade. Aquelas drogas que
tomam são muito fortes e causam dependência. O segredo da felicidade está na
nossa vontade de sermos felizes e na nossa educação. Levei-a numa cracolândia
que ainda existe nos subúrbios do Rio. Era de dia e embora quer o governo
estadual ou o federal soubessem de sua existência nada fazem para acabar com
essa situação, como se fosse inquestionável a impossibilidade de resolvê-la. Então
Castrina juntou-se a um pequeno grupo e
fez o mesmo que eu já havia presenciado sob o viaduto da Rodoviária Novo Rio.
Enquanto falava, passava a mão pela cabeça dos dependentes químicos. Quando
acabou, uns dez minutos depois, esse grupo de umas dez pessoas, levantou-se,
jogou fora os cachimbos, as colheres e os isqueiros, e já não eram os mesmos.
Sua postura era ereta, o olhar confiante. Saíram cada um para o seu lado. Podia
adivinhar-se que daí para a frente seriam outras pessoas que não se deixariam
abater pelo sistema, que dizem democrático mas que não o é, porque o povo não
pode votar sua opinião. Vota como quem come um prato feito que lhe dão para
comer quando estão com fome de democracia, geralmente de quatro em quatro anos.
Não sei onde anda Castrina,
porque desapareceu de nossas vidas há uns dois anos, mas encontrei alguns
ex-dependentes químicos daquele grupo que ela “abençoara”. Um deles tinha sua
loja de comércio de artigos importados da China, uma garota cantava em todas as
rádios da cidade, um garoto era atleta num importante clube da cidade. Castrina
nos contara que lá, em sua dimensão enrolada e pequena, embora grande, mas
dentro deste Universo, crêem num Deus construtor deste e de outros universos,
mas não conhecem Buda, Maomé, Jesus Cristo, Moisés, nem Vishnu, nem nenhum
destes deuses ou profetas em que se acredita neste nosso planeta. Lá acreditam
que a unidade faz a força, a educação faz a vida, o amor constrói tudo na vida.
Rui Rodrigues