Era uma vez uma menina muito
linda que falava tudo, era muito alegre, inteligente, e tinha muitos amiguinhos
e amiguinhas. Só tinha três anos, corria
muito depressa, e era muito brincalhona. Mas era rebelde, contestadora e cheia
de “razões” que explicava com todos os detalhes. Todos gostavam dela. Costumava
sonhar com fadas, especialmente a fada “Aurora”. Com uma varinha de condão
vermelha, costumava fazer “mágicas” com a mãe, o avô e a avó. Gostava de
apanhar “sustos” e depois ria às gargalhadas, pedindo para repetir. Para se ter
uma idéia de como enfrenta as dificuldades da vida, basta dizer que um dia, ao
caminhar distraída e olhando para trás no seu apartamento, bateu com a cabeça
no umbral da porta. Quando todos estávamos esperando que começasse a chorar,
deu-nos de presente, uma bela gargalhada que só terminou dez minutos depois,
enquanto coçava a cabeça.
Um dia foi visitar o avô Rui
na casa da praia do Peró. Deu milho às galinhas, colheu um ovo vermelho da
Giselda caipira de pescoço depenado, foi à praia, comeu uma caixa de bombons de
chocolate e depois de almoçar a comida feita pela vovó e pela mãe, foi dormir.
Foi dormir contra vontade e choramingando. Queria voltar para a praia, mas
àquela hora o sol estava alto e a mãe não a deixou ir. Aquele sol fazia muito mal
à pele.
Não se lembra como chegou à
praia, que estava anormalmente cheia de gente. Era uma gente diferente. Chegou
até a pensar que ainda estivesse dormindo, mas abandonou logo essa hipótese,
porque as pessoas eram muito reais, e havia muitos barcos com velas e mastros. Eram
piratas, sem dúvida alguma, porque já os tinha visto em livros. Não pensava que
existissem, que eram apenas personagens de histórias inventadas. Mas estavam
ali, bem perto, enchendo e carregando umas caixas de madeira com colares de
pérolas, moedas e estátuas de ouro, porcelanas chinesas, tesouros imensos que
levavam para botes junto à praia. Ventava muito e havia nuvens negras no céu.
As roupas esvoaçavam e ouviam-se gritos para apressar o trabalho antes que
chovesse. Alguns piratas usavam chicotes e todos traziam espadas na cintura,
pistolas de um tiro só enfiadas na cinta que traziam enroladas na cintura.
Usavam botas curtas de couro, braceletes, muitos deles usavam uma venda preta
num dos olhos. Maya sentiu medo e ao voltar-se para trás, para sair correndo de
volta para casa, deu de cara com um pirata alto e forte, que tinha uma venda
negra num olho, um papagaio sobre um dos ombros e uma macaquinha no outro. O
papagaio estava tentando bicar a macaquinha e esta dava petelecos no louro.
Parecia que não gostavam um do outro, ou que tinham ciúmes.
- Quem é você? – perguntou o
pirata grandalhão.
- Sou a Maya! Mas você não
me conhece. Vou embora para casa. Deixa-me passar! Você é muito feio, seu pirata doido, cara de
cabeça. Vou embora. Fui! Maraschicovola...
- Não vai não! – disse o
pirata franzindo os olhos. Não tenho tempo de levar você em casa e não vou
deixá-la por aqui sozinha. Vou te levar comigo. Meu nome é “Papacaco”, nome que
me deram por andar sempre com um papagaio e um macaco nos meus ombros. Podemos
ser bons amigos.
Pegou na Maya com um braço
só, segurou-a pela cintura e com se fosse uma melancia, levou-a para um dos
botes. Maya gritava, esperneava, mas ele não a largava. Entraram no bote, e o
pirata gritou:
- Vamos!Remem, preguiçosos! Suas mulas coxas!
Foi assim, ainda
esperneando, que Maya olhou para trás e conseguiu ver a praia se afastando
enquanto os remos dos remadores do bote faziam barulho na água ao impeli-lo na
direção do maior dos barcos que se viam ancorados. Dele vinha uma música muito
bonita de cavaquinhos violão e tambores, e havia até uma flauta. Maya estava
gostando da música, mas estava muito triste. Queria voltar para casa e agarrar
a mãe, beijá-la, enchê-la de beijos. Já estava com saudades. Achou que não
deveria ter desobedecido e saído para a praia. Lembrava ainda da mãe
dizendo-lhe que fosse dormir e que mais tarde iriam até a praia. Quando reparou
já estava subindo a bordo do barco enorme, ainda segura pela cintura,
esperneando. Ia ser raptada. Sentia que nunca mais veria as pessoas que amava.
Já achava que nem eram tão chatas como pensava por vezes, quando a
contrariavam. Quando subiu a amurada e pisou no convés, viu um espetáculo de
movimentos: marujos limpando as tabuas do chão com enormes esfregões de pano,
outros descendo por cordas enquanto as velas subiam, outros preparando os
canhões, o cozinheiro correndo atrás de um porco fujão para a cozinha, outros
afiando espadas. Alguns usavam pernas de pau e todos usavam lenços coloridos
amarrados na cabeça ou chapéus de couro. Lá em cima, no topo do mais alto
mastro. A bandeira negra com uma caveira e dois ossos cruzados tremulava ao
vento. Maya pensou que talvez até fosse um carnaval daqueles que via na televisão,
mas não era. Era muito real porque ela não apenas “via”. Ela estava “lá”, ali
mesmo, junto com eles. Quando começou a ouvir uma gritaria muito grande,
percebeu que eram ordens para zarpar. O barco partiu deixando a praia ainda
mais longe. Levaram-na então para um quarto onde ficou por dois dias. Depois
deixaram que ela andasse por toda a nau. A tripulação começou então a gostar
muito dela e elegeram-na princesa do barco. Percebeu que havia sempre um lado
bom até em piratas. Brincavam muito com ela e por momentos chegava a pensar que
não era assim tão ruim estar no meio deles, mas quando se lembrava da mãe,
começava a gritar para todos os que lhe passassem pela frente, chamando-os de
“cara de cabeça”, “seus doidos de cara”. Eles riam e ainda gostavam mais dela.
Um dia, que Maya já não
percebia quanto tempo tinha passado desde que fora levada pelos piratas, os
barcos fundearam ao largo de uma ilha com um castelo bem no alto de um morro no
centro da ilha. Maya perguntou ao pirata Papacaco o que iam fazer. Ele disse
que iam assaltar o castelo.
- Vocês vão bater nas
pessoas que estão lá no Castelo? – perguntou Maya indignada.
- Vamos! Não se pode
assaltar e roubar o ouro deles, dos que estão lá dentro, porque eles não deixam
a gente roubar. Então temos que bater neles.
E com um gesto, mandou
atirar com os canhões. Ouviram-se dois estrondos mais fortes que fogo de
artifício, e as duas bolas de pedra que saíram dos canhões junto com uma
labareda de fogo bateram nas paredes do castelo abrindo dois buracos enormes.
- Mas você não pode fazer
isso, seu “cara de cabeça”. Isso machuca muito. Olha, eu tenho uma idéia –
Disse Maya, sorrindo para o pirata Papacaco. Minha mãe tem muito, muito
mesmo... Muito leite de chocolate... Eu dou todo ele para você e assim você não
bate nas pessoas do castelo. É muito bom o leite de chocolate da minha mãe. Você
vai gostar, seu “cara de cabeça”. Maraschicovola!
- Então está bem... - Disse
o pirata – Vamos voltar e pegar todo o leite de chocolate da tua mãe. E gritou
para a tropa de Piratas:
- Retirar!... Bando de
pernas de pau. Vamos apanhar leite de chocolate!
Então as portas do castelo
de abriram e veio gente comemorar com os piratas porque já não iam ser
atacados. Fizeram um grande almoço onde não faltou leite de chocolate só para a
Maya, que agora era uma princesa ainda mais bonita. Tinha convencido o pirata
Papacaco a não atacar o castelo. Dançaram muito e Maya dançou para todos verem.
Bateram muitas palmas. Maya disse para o pirata:
- Você vê, seu cara de
cabeça? Minha mãe trabalha e não bate em ninguém. Você podia fazer o mesmo.
Porque não trabalha em vez de roubar o que é dos outros?
O pirata ficou pensativo.
Olhou para ela, sentou-a no colo e disse:
- Nunca me tinham falado
assim. Você, minha amiguinha Maya, é muito legal. Acho que vou fazer isso
mesmo.
Quando já ao anoitecer, de
barriga cheia, os piratas se preparavam para voltar para os barcos, tinham uma
surpresa. Os barcos estavam em chamas. Não tinham como voltar para a casa da
Maya para apanhar o leite de chocolate. Então Maya puxou a calça do pirata
Papacaco e disse-lhe:
- Olha, eu tenho uma idéia
muito boa. Boa mesmo. Mas tem que fazer como eu vou dizer. Ta? (O pirata disse que sim com a cabeça). Maya
continuou: Sabe, seu pirata “cara de cabeça”, aquelas garrafas de refrigerante
que vocês tomaram lá no castelo? Tapamos a boca das garrafas, amarramos com
cordinhas, botamos na cintura e vamos todos nadando.
- Mas é muito longe... –
gemeu o pirata!
- Vamos conversando e eu te
conto uma historinha. Ta?
E lá foram mar afora,
nadando, com Maya contando uma história sobre a fada Aurora, o chapeuzinho
vermelho. Depois contou histórias dos backyardigans e outras historinhas que
ela sabia. Contou até dez em inglês e em português enquanto abria seus dedinhos
da mão um a um e ensinou algumas palavras em inglês que ela também sabia. Quando
chegaram á praia estava muito cansada de ter nadado a noite inteira, e
adormeceu ali mesmo, nos braços do pirata que agora ia passar a vida
trabalhando honestamente.
Quando acordou já estava na
hora de ir para a praia.
Rui Rodrigues,
O avô babão, cara de cabeça!
Adorei , linda!!! Agora só falta vc.fazer uma capa ilustrada para essa estorinha. bjs
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