Dizem que os humanos
constroem a sua moral de acordo com os seus interesses. É por isso que as
religiões, cada uma tem a sua moral, os políticos cada um a sua, cada nação é
diferente das outras por causa de seus costumes que se constroem com base nas
tradições morais e éticas. Como peixe, não posso pensar de forma diferente. Os
humanos construíram a moral de que peixe não tem sentimentos. Isso não é
verdade. Chegam a dizer, quando algum humano é limitado no pensamento, ou pensa
diferente dos outros, que tem “cabeça de peixe”. Nem olham para os cuidados que
temos, quando procriamos e guardamos os pequenos peixes, nossos filhos, na
própria boca para preservar-lhes a vida. Tanto carinho que os humanos não
vêm... E são os peixes machos que cuidam da prole, não as fêmeas. E os humanos
nem fazem isto. Deixam os cuidados da prole com as mães. E o nosso sangue?
Acaso os humanos reparam que temos sangue como eles? Que temos veias, coração,
fígado, baço, miolos... Respiramos... Digna de nossa admiração foi a baleia que
já foi peixe e se adaptou à terra firme. Então vendo tudo o que os continentais
faziam, voltou para o mar e hoje é uma mamífera. Com todo o respeito, as
baleias não nos comem, só comem plâncton, que é uma aglomeração de criaturas que
também não sabem ler nem escrever, tão pequenas que só com uma lupa se
conseguem enxergar.
Nós, peixes, namoramos,
transamos, temos filhotes, ensinamos os filhotes, cuidamos deles, e
envelhecíamos, mas agora nem chegamos à idade de morrer e já nos matam. A cada
ano somos menores em tamanho. Não nos deixam crescer.
Há entre eles, os humanos, há
um grupo que se diz vegetariano, mas muitos também nos comem, e galinhas, e
matam embriões comendo ovos e ovas de peixe, mas o que mais me angustia são as
perseguições e o pouco valor que nos dão.
Caçam-nos por todos os mares, rios e lagoas. Um dia acabam conosco. Há
um povo no oriente da Terra que chega a nos comer vivos, com a carne ainda
pulsante, e matam baleias dizendo que é para pesquisar. Essa forma de pensar
seria muito boa para extraterrestres que também quisessem pesquisar e matassem
esses para pesquisa. Claro que isto que eu disse é uma idiotice de um peixe,
mas serve para pensar como que o que é bom para nós pode ser horrível para os
outros. Pensem no que sente um tubarão pescado, com as barbatanas cortadas e
lançado vivo de volta ao mar. É angustiante porque morre de fome e de falta de
ar, vendo seu próprio sangue colorindo de vermelho a água ao seu redor.
Certa vez me livrei de uma
morte quase certa, conseguindo saltar de um barco de pesca, borda afora, com
tantos saltos que dei, sufocado, com falta de ar, mas o que vi, quase me vez
vomitar. Nós estávamos lá embaixo d’água, passeando em cardume, brincado com
nossos filhotes, ensinando-os a comer. A temperatura estava agradável, o fundo
do mar colorido porque era primavera, e de repente correu o pânico entre nós,
como nos velhos filmes de Hollywood, quando a cavalaria americana arremetia em
carga sobre as aldeias índias dos Sioux, Pés pretos, Oglalas, Cheyenes. Era um
morticínio geral, crianças não sendo poupadas. Assim também aconteceu conosco. Uns nos
pescavam com anzóis, e lá vinham meus irmãos, presos pelos anzóis, sentindo
falta de ar, as guelras ardendo, olhos esbugalhados, língua de fora. Outros
vinham nas redes, amontoados, alguns morrendo pelo peso dos que estavam em cima. Todos sofrendo de
falta de ar, como quem tem asma e não pode respirar. Vocês humanos não imaginam
o sofrimento de nossa gente. E o desperdício? isso que nos dói. Uma boa parte
de nossa gente, já morta, foi devolvida ao mar porque há uma lei que proíbe
pescar tamanhos pequenos e os pescadores pescaram até os nossos netinhos. Tanto
trabalho na vida para vê-los morrer assim, desperdiçados, mortes em vão. Não me
admira nada, porque os humanos se matam uns aos outros por qualquer bobagem,
como diferença de cor de pele, diferença de religião... Qualquer diferença é
sempre motivo para fazer guerra e sair pelos campos e cidades matando-se entre
si. Se fizéssemos guerra aqui na água como fazem os humanos em terra, já não
haveria mais peixes.
Na semana santa, por causa
de uma religião, não temos para onde fugir. Matam-nos implacavelmente.
Digam lá na peixaria do
Barbosa que se não conseguiu vender todo o peixe, que baixe o preço. Assim pelo
menos a nossa morte não terá sido totalmente em vão, e digam aos japoneses que
baleias não se matam. Que façam pesquisa com a mãe deles. O Crivela é pastor e
agora ministro da pesca. Será que vai aliviar a nossa condição?
Rui Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Grato por seus comentários.