O banheiro é arrumado, e o
quarto também. No resto da casa não há uma ordem aparente, mas se tirarem algo
do lugar, eu noto. Sou assim, cuido do essencial, o que é mais importante, o
que me permite sobrar sempre tempo para tudo. Ou quase. Quando o pó incomoda,
varro em um par de minutos e está limpo. Como não esperava ninguém, deixei o pó
descansar, fui até o bar da cozinha e me servi de um Bourbon cow-boy. Dizem que
whiskey é escocês, mas o Bourbon não lhe deve nada e não bebo a Escócia por
mais que me seja simpática: Bebo o Whiskey que produzem por lá. E o da Irlanda
também é bom. Tudo depende do carinho na produção. Mas isto foi apenas um
devaneio para chegar á palavra “carinho”. Meu subconsciente me entende e de vez
em quando aflora com os termos certos, parecendo que sabe o que quero. Passei a
desejar Louise. Foi a primeira que me veio à cabeça entre velhas lembranças,
antigas paixões, recentes desejos, premonições do futuro. Poderia estar aqui, todos
os dias, mas não está nem estará porque o pó se tira quando incomoda e não
todos os dias em horário pré-determinado. Nem pensar que é por causa do pó que
ela não vive comigo todos os dias. Nada como desejar uma mulher e, para desejar,
ela não pode estar disponível a qualquer momento, o que é muito diferente de
dizer que não está disponível por qualquer motivo. Por isso elas se enlouquecem
com amantes e nós, homens, também. Se os casamentos fossem assim, duravam mais.
Ou não. Mas isso era outro devaneio meu. Nada tem que ser como deve ser para
manter a curiosidade, a surpresa, o interesse e até o susto. Não podia
imaginar, como estou imaginando, as belas pernas róseas de Louise emolduradas
por sapatos pretos, meias de seda suavemente pretas, despontando desejos desde
os pés até o encontro com a borda da saia, onde o real passa à imaginação, ou a
imaginação passa à realidade quando a deixa cair suavemente. É uma viagem. Seus
tornozelos perfeitos, uma leve barriga de perna, joelhos redondos, coxas fartas
e bem delineadas. É o andar de Louise que, tal como numa orquestra, acompanha,
emoldura, lhe realça as belas pernas e me provoca o desejo de ir mais além, por
onde se pode entrar no paraíso dos delírios que, entre vais e vens nem sempre
suaves, nem sempre emotivos, nos fazem explodir em alegrias muito mais intensas
de quem sobe a pódios, é eleito presidente da república, ganha o prêmio Nobel,
é pai pela primeira vez, ganha sozinho o prêmio da loteria. Sozinho? Bem, não
creio que Louise tenha outro em sua vida. Não me julgo machista, mas ficaria
meio desanimado de soubesse que só a perna esquerda – ou a direita – dela, é
dividida comigo. Não é uma questão de direitos de propriedade sobre ela. È mais
do que isso: É a doce ilusão de que sou o escolhido por ela para passarmos
momentos íntimos e confidenciais, ou, ainda melhor, sou o “eleito”, “the one”,
“o tal”. Resolvi fazer um teste tão infantil quanto minha compulsão para não
dividir os meus amores com os outros. Quando chegou, e depois de bons momentos
passados no frio, colados na cama, propus-lhe que fizesse uma tatuagem pequena
na perna que a fizesse lembrar-se de mim. Gostou da idéia. Eu também, não só
por sua demonstração de amor, mas também porque se eu tivesse um desafeto,
certamente por ciúmes ele lhe pediria que fizesse outra na outra perna.
E o tempo passou. Vários
encontros, e Louise nem é uma mulher realmente bonita. Para mim, é. Satisfaz
meus desejos e meu ego. Melhor que chocolate no inverno.
Um dia chegou de meia calça
preta, delineando-lhe as pernas e a silhueta, um sorriso maroto, adiantando a
frase que me poria na expectativa de uma surpresa.
- Tenho uma surpresa para
você, mas tem que me despir peça por peça.
Já tinha passado tanto tempo
que já me esquecera de meu pedido para que fizesse uma tatuagem e jamais me
passara pela cabeça fazer o pedido duas vezes. Então comecei a despi-la.
Primeiro a blusa, depois o sutiã. Beijei-lhes os seios, os mamilos duros, em
pé, pedindo-me que a despisse toda, lhe fizesse o corpo rolar na cama, levá-la
ao êxtase. Depois despi-lhe a saia. Fiz
um pequeno intervalo e tirei minha própria roupa. Ser-me-ia impossível ver
Louise nua e eu ainda vestido. Quando acabei, tirei-lhe a meia calça. Quando me
preparava para lhe tirar os sapatos, eu vi. Eram duas tatuagens. Uma num
tornozelo, pelo lado de dentro, e outra no outro, na outra perna.
- Fez duas, paixão?
Perguntei-lhe mais curioso do que agradavelmente surpreendido.
-Fiz! – Respondeu. A da
perna esquerda é para me lembrar de você. Escolhi um besourinho que sempre me
anda cutucando o corpo e não pára quieto. A outra, um coelho, que é para me
lembrar de meu pai que sempre me dava ovos de chocolate de Páscoa, enormes: Os
dois homens de minha vida.
Fiquei tranqüilo. Louise,
além das lindas pernas, tinha belos sentimentos, mas não estranhei muito quando
anos depois se casou com Francivelto Nunes Coelho, famoso jogador de futebol.
Rui Rodrigues
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