Golem
– Ai meu Deus!
E
pegou Deus um pedaço de barro e dele fez uma imagem. Deus tinha mãos e fazia
imagens. Precisava ter olhos e bom gosto. Gostou da imagem e soprou-a. Deus
tinha pulmões. E após o sopro, a imagem andou, caminhou, correu, experimentou ser
dona de seus atos. Podia agir. Deus lhe deu a vida e a chamou de “homem e
mulher”. Deus era um homem ou uma mulher, quem sabe até os dois, e fazia
imagens que se reproduziam, porque ao homem lhe deu um par de gônadas e um
apêndice, e à mulher uma gruta selada. Deus e criaturas cada um à semelhança do
outro, de tal forma que para qualquer leigo, fica difícil garantir quem terá
criado quem: Se Deus aos homens e mulheres, se estes a Deus. Porém, sendo Deus
por definição único, “incriado”, ou seja, ninguém nem nada o criaram, não
precisaria de sexo, quer fosse constituído de um par de gônadas e um apêndice,
quer de uma gruta selada. A ser Deus o criador, separou os sexos para que as
criaturas se criassem a si mesmas sem necessidade de sua intervenção constante,
como fazem as parteiras. Da mesma forma fez os outros seres vivos, porque as
criaturas são sabiam produzir vida nova, novas espécies. E toda a vida se
reproduz a si mesma. Não tendo mais nada para fazer, descansou desde o sétimo
dia da criação até hoje e ninguém sabe onde ele está. Dizem os crentes que está
no céu, mas é o céu tão vasto e infinito que a sua localização exata é
impossível, ainda mais que apenas conseguimos ver uma parte infinitamente
pequena do céu. Disseram então, ao perceber isto, que Deus está em toda parte.
Fazendo o quê, se criou um Universo que se basta a si mesmo, criaturas que se
bastam a si mesmas? Existem muitas hipóteses, mas nenhuma dita e confirmada por
ele, apenas teses humanas, das criaturas a quem deu vida de forma indireta.
Deus não era professor: Não ensinou nem Adão, nem Eva nem Lillit a escrever,
aritmética, geometria. Nada. Nem a se vestirem. Com um Deus assim, meio
ausente, fugiram do paraíso. Não foram expulsos. Deus não ficou zangado com
eles, o Adão, a Lillit e a Eva por terem transado. Foi porque fugiram. Sendo a
Terra redonda, e sendo Deus um Deus, e estando em toda a parte, poderia ter ido
procurá-los e os trazido de volta ao lugar de origem, onde havia barro, mas
não. Deixou-os à própria sorte. Arrependido de os ter criado, afogou-os a todos
num dilúvio tremendo, e a humanidade hoje pensa duas vezes: Com um Deus desses,
não querem nem ouvir falar em pai ou em Deus. E surgiram os ateus. Os ateus e
os não ateus uniram-se na ciência. Aprenderam sozinhos a moldar o barro, a
matemática, a geometria, a escrita, fizeram foguetes, viajaram por uma lasca de
espaço exterior ao próprio planeta e modificaram geneticamente a vida feita por
Deus. São pequenos deuses. E lembraram-se da tradição oral que tanto pode ser
verdadeira como falsa, soar a verdadeiro ou a falso, mas que serve para a união
de pessoas geneticamente parecidas. Para cada grupo de genes, um leque de
tradições, e a do Deus que fez imagens de barro respirarem, andarem,
caminharem, é tão significativa da mágica de ser Deus, que resolveram fazer
golems...
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