Taumaturgo Bode – O fantasma
Taumaturgo Bode assusta
assombrosamente, e costuma atacar nas noites claras ou escuras, de manhã cedo,
tarde ou ao meio dia. Ninguém o vê, mas sente um arrepio, um vento, uma
carícia, um toque, quando ele está por perto.
Nada mais tenebroso que ver
fantasmas ao meio dia e nenhum dos fantasmas conhecidos é tão fantasma quanto
Taumaturgo Bode. Nos tempos de Nelson Rodrigues até o Sobrenatural de Almeida –
o famoso fantasma que explicava os gols contra o fluminense - tinha medo do
Taumaturgo Bode.
Quando aparece é morte
certa, prejuízo irrecuperável, perda total. Quando deixa sobrar alguma coisa de
aproveitável, ou um indício, fá-lo para criar a cizânia, espalhar a confusão,
provocar raivas sem conforto. Uns dizem que é o próprio diabo, mas se fosse
estaria no inferno. Está em Brasília de onde não sai nem que a vaca tussa,
espirre, grite ou se exploda.
Taumaturgo Bode divertia-se
em Brasília quando era vivo. Foi lá na primeira leva de visitas ao canteiro de
obras quando Juscelino Kubitschek de Oliveira fez iniciar as obras pela
“Novacap”, nos idos de 1956. Era um mero político desconhecido então, mas muito
ambicioso, capaz de matar a mãe para ir ao baile do orfanato.
Iniciou um plano fazendo o
maior numero de amigos. Não era propriamente amizade, mas troca de favores.
Começou a construir uma imagem de patrono, alguém confiável com quem se podia
sempre negociar. Começou a delegar funções e tarefas aos que lhe deviam algo, e
em conseqüência, a dividir-se entre o homem que realizava o seu trabalho como
político, e o homem que agia na sombra como um fantasma. Dividiu-se em dois.
Ninguém mais o reconheceu!
Aquele político morrera.
Ninguém sabia que ao
dividir-se em dois, ganharia super poderes, membros de polvo, cheios de
ventosas. Nas horas de confusão para o seu lado, desaparecia, ficava invisível.
Um dia escreveu um livro sobre os colibris bigodudos e uma academia o elegeu
como membro. Ninguém relacionou esta “elegição” com o fato da Academia ganhar
um prédio novo, imenso e moderno, cheio de janelas e mármores e granitos no
centro da cidade, tão grande, que poderia abrigar todas as academias de
garranchos do mundo. O dinheiro doado para a construção do prédio não era dele.
Taumaturgo Bode usava sempre
uma capa preta, farda, fardão, camisola de dormir, tudo com muitos bordados,
que lhe caiam muito bem com suas frases meio assobiadas, dignas de filhinho de
papai que nem se formara na Sorbonne.
No período de maior
influência no governo – ele tinha influências – causou o maior rebuliço na
economia: exauriu as reservas cambiais, as exportações diminuíram quase a zero
e as importações aumentaram a jato. Enquanto a população ficava pobre a cada
hora do dia que passava, uma parte pequena, amigos do Taumaturgo Bode
enriqueciam com a inflação cavalar...
Pensam que foi
responsabilizado? Que nada!... Ainda foi eleito para cargos importantes nos
anos seguintes, até hoje!
Mas então, Taumaturgo Bode
está vivo ou morto e é um fantasma?
Aí que o bicho pega... Para
uns morreu lá atrás e agora é só fantasma. Para outros, nunca morreu e é um bom
sujeito. Para outros ainda nem sabem quem ele é nem do que é capaz. Só quando o
Taumaturgo Bode fantasma lhes aparece pela frente fazendo “buuuuuuu”... As
lavanderias de Brasília ficam cheias de calças sujas no dia seguinte.
Taumaturgo Bode é um
fantasma capaz das mais impossíveis façanhas, deixando sempre dúvidas no ar. O
apelido Bode deve-se a uma promessa de seus tempos de estudante. Se conseguisse
formar-se na Universidade assistindo a tão poucas aulas por ter muito que fazer:
Participar da política, ser jornalista, fazer bico na polícia. Seus amigos
davam-lhe presença, faziam-lhe os trabalhos, davam-lhe cola nas provas. Já
nessa época era muito admirado por fazer tanta coisa, mas ninguém sabia como
“não fazia” nenhuma delas: tudo por ajuda de amigos que prometeu ajudar durante
a sua vida. Lavavam-se bem as mãos entre si.
Conta-se que uma vez havia
um candidato a um posto muito importante. Taumaturgo Bode fez de tudo para
tornar-se seu suplente e tomar o seu lugar. Usando os favores que fizera e
pedindo o pagamento desses favores, conseguiu o apoio necessário e conseguiu. O
próximo passo era afastar o eleito. Uma pílula foi dissolvida no café e ele foi
mandado para o hospital. Uma equipe médica competente tratou do eleito que logo
se recuperou. Então recaiu. Depois de várias operações, chegou até a dar
entrevista. Dois dias depois, durante a noite, entraram no quarto e fizeram o
serviço. Bateu as botas, finou-se, morreu. Muitos viram Taumaturgo Bode no
velório. Muitos juram que estava presente no enterro.
Dizem uns que foi o próprio
Taumaturgo Bode que dissolveu as pílulas no café e pôs o eleito em contacto com
os agentes biológicos. Dizem outros que apenas deu sinal com um acenar de
cabeça para que alguém desse as ordens a alguém, que comunicasse essas ordens a
quem executasse essas ordens. Outros disseram que foi a CIA. O certo é que o
eleito morreu, e Taumaturgo ocupou o seu lugar.
Dizem até que é capaz de
derrubar helicópteros sem tocar neles, só para abafar as tratativas para a
aprovação de cláusulas em documentos importantissimos.
Mas nunca deixou rastro, nem
mostrou o rabo preso. Tudo coisa de intrigas, dizem uns, que não é nada disso,
outros e indecisos e que não sabem de nada, o resto.
Até que se descobriu que ele
tem um grande competidor: Zeca Vamporra, um vampiro esfomeado, vingativo. Cada
um atua do seu lado.
Rui Rodrigues
Rui Rodrigues