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domingo, 12 de maio de 2013

A capacidade de sentir o mar das ilhas.



A capacidade de sentir o mar das ilhas.



Somos ilhas de vida cercadas de paisagem e semelhantes nossos, outras ilhas, por todos os lados. Não é um ambiente muito tranqüilo, e nos primeiros anos da infância cognoscível, chega a causar medo. A multidão de desconhecidos é muito grande, nem todas as nossas necessidades são atendidas, os prédios onde se vive são enormes, os tampos de mesa parecem inalcançáveis, não se pode abrir portas, nem fechá-las, as máquinas que rodam velozes pelas ruas são pesadas, enormes, e barulhentas. Um brinquedo largado inadvertidamente fica estraçalhado quando as rodas dessas máquinas lhes passam por cima. Os adultos à nossa volta ora gritam ora nos dão beijos e nos dão presentes, lançando confusão em nossas cabeças inquietas, tentando se adaptar a tudo isso, agradar para não ser rejeitado. Crianças entendem bem esta situação, e quando num grupo uma delas chora, todas choram em solidariedade. Adultos não entendem quase nada.

Algumas crianças aprendem mais rapidamente do que outras a dominar a paisagem. Sentem-se tão à vontade que pensam ser exclusivamente delas. Em suas ilhas particulares tudo lhes pertence: Os brinquedos, a bola, a escola, as ruas, os amigos devem servi-las. É um exercício que só termina se alguém as parar ainda na fase de pesquisa sobre a sua competência em dominar o mundo. Se não forem paradas, ficarão adultas dominadoras. Adultos não costumam intrometer-se em assuntos de criança. Por isso, algumas que aprendem mais devagar, ou são mais pressionadas a comportar-se, despertam mais tarde. É deste grupo de ilhas que surgem os que mais sentem e conhecem os seus limites e os das outras ilhas, e destas se fazem continentes de amigos, o solo fertilizante de respeito num oceano amorfo, imprevisível, até hostil com maior ou menor gravidade. Ilhas unidas são mais fortes sem usar a força, navegam melhor e mais facilmente pelas trilhas do conhecimento, da moral e da ética, porque enxergam em todas as direções. Raramente fazem inimigos, e os adversários agem apenas por inveja, uma forma de violência contida que raramente explode em agressão. Ilhas invejosas normalmente são covardes. E é das ilhas de covardia que vêm os slogans, quando não se concorda com elas, que são “prepotentes”.

Mas as ilhas crescem em meio a dias quentes, dias frios, dias de tempestade, dias claros ou escuros como a noite. Há raios e trovões, terremotos, vulcões, convulsões da natureza ou vindas de outras ilhas. Muitas afundam enquanto outras navegam, algumas com rumo fixo, outras à deriva. Ilhas que afundam continuam vivas em nossa memória de forma latente. A cada ano a luz da vela que as ilumina enquanto mergulham no oceano vai ficando mais fraca, até que se esfuma na profundidade dos mares onde o tempo dura para sempre mas nada nele vive. É triste ver ilhas se afastando no horizonte provocando a mesma sensação das que afundam e se transformam em tempo. É triste ter de se afastar de ilhas que tentam afundar-nos ou nos afastam, quer seja através de sopros ou de atitudes. Mas sempre há as vinhas que outras ilhas, há muito no passado cultivaram, e que produzem bons vinhos. Assim também o centeio que produz bom pão e ambos nos alimentam a alma cada um de sua forma. Mas por causa das vinhas e do centeio dividiram o mar das ilhas impondo-lhes fronteiras, sem se importarem se as ilhas que vivem de um lado de uma fronteira são família das que vivem do outro lado. Chovem chuvas de tristeza de ambos os lados das fronteiras e são muitas nesta condição. Questiona-se sobre quem fez o mar e a as ilhas, como se isso tivesse importância, que se tivesse, não haveria tão absurdas fronteiras. E impuseram leis, algumas tão absurdas que levantam ondas no mar, dificultam ou impedem a vida. Dizem, os que mandam, que é para o bem das ilhas, mas a não ser por inovações tecnológicas que lhes dão um ar de modernidade, afundam mais ilhas hoje do que antanho. Há remédios e dispositivos para manterem as ilhas flutuando, mas mesmo assim nunca as ilhas tiveram tanta dificuldade em se manterem flutuando como nestes tempos dos quais dizem maravilhas. Os que mandam cobram altos impostos e dão-lhe músicas às ilhas liberadas de pagamento, pagas com os impostos. Nunca as ilhas fizeram tanto amor como agora que a moralidade, aquela que se impunha tempos atrás e que diziam ser falsa, está tão livre como os vapores das velas que se esvaem como prelúdio para o limite da liberdade, porque quando tudo for livre, as ilhas estarão irremediavelmente presas, encarceradas. Então, dentro de algumas fronteiras se proíbe quase tudo, e vivem nas trevas, porque não entendem o equilíbrio que faz as ilhas flutuarem no mar em que navegam. Nunca entenderão, porque não é entender que desejam. Tal como as crianças que crescem e aprendem a dominar a paisagem, assim também algumas ilhas adultas não controlam seu desejo de dominar as demais. Intitulam-se políticas essas ilhas, e não querem saber de sentimentos. Dizem que as leis são cegas, surdas e mudas e devem ser. Assim se alivia a consciência. E quando o navegar fica difícil, as ilhas fazem amor, bebem vinho, ouvem música, recolhem-se em templos onde lhes é oferecido um filme de ficção onde se oferecem momentos de lazer com sonhos de um mundo melhor, inalcançável nesta regata de ilhas no oceano da vida.

Destes amores nascem crianças que só perceberão que são ilhas quando forem quase adultas e nada mais se possa fazer para que se transformem num continente, ou, no mínimo, que mudem o rumo e vão para onde todas as ilhas desejam ir, sem fronteiras. Neste mar limitado, uma ilha leva mais de um quarto de século em média para aprender alguma coisa, limitada, para ter noção de que é uma ilha, do mar em que vive. É governada por quem nem imagina o que é, onde está, nem o que tem que fazer para governar tantas ilhas, todas diferentes entre si. Isso é tarefa para as próprias ilhas, em conjunto, que conhecem o mar, sabem o que são e para onde querem ir.

Rui Rodrigues. 

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