Os Etês de Catités – O filme
(Pura ficção, até porque Etês não existem[1]
nem no dicionário).
No Bar do Chopp Grátis os
clientes se levantaram das suas mesas, apanharam os seus copos de chopp e foram
todos para uma mesa onde um sujeito contava uma história sobre extraterrestres.
Nesse dia o Bar faturou alto em chopps. Esta foi a história digna de cordel (ou
num país de alienados, que vem de Allien em inglês, que significa alienígena, ou seja, extraterrestre. Em mais
nenhum lugar do mundo aconteceriam fatos assim como narrados).
Cinco anos depois de nada.
Ceará, perto de Pernambuco,
dia quente, falta de água, família numerosa para alimentar, a mulher enchendo o
saco, um resto de arrodz cozido numa panela amassada, o marido foi embora
dizendo que ia trabalhar e não voltou mais. Nessa noite, a mulher ainda jovem
ficou olhando as estrelas em Catités, rezando para que algo acontecesse que
melhorasse sua vida. Pensou naquela penca de filhos. Rezou também para que o
marido não a tivesse largado e não lhe tivesse deixado mais um filho no buxo.
Era beberrão. Sabia o que fazer. Dos filhos escolheria um para ser doutor, e o
resto trabalharia para alimentar a família. Não podia contar com o marido.
Também não acreditava na prima que lhe dissera, na semana anterior, que um
grande milagre aconteceria em sua vida: Ela estava grávida e a prima também
ficaria grávida, e o filho seria um messias para a família. Ouvira isto como de
um anjo que descera do céu numa enorme nave cheia de luzes piscando que só ela
vira. O anjo a levou até a nave e lá haviam transado bastante. A noite toda.
Depois a nave partiu como um foguete busca-pé fazendo até um barulho igual, e
virou uma estrelinha que fica por cima da torre da Igreja Matriz. Era um sinal
dos céus. O anjo lhe dissera que a prima teria também um filho. Mas como?
Perguntou-se a mulher abandonada, se nenhum ET a tinha buscado nem vira nave
nenhuma? Obteve rapidamente a resposta como se os anjos do céu a tivessem
escutado. Um objeto voador identificado, porque não era nenhum urubu, nenhuma
ave, nem avião nem helicóptero nem asa avoadeira, nem pára-quedas. Era uma nave
extraterrestre igual á descrita pela prima. Só teve tempo de ir lá dentro,
pegar um pano, molhar no resto da água de um poço seco dentro de um copo e
lavar a perereca. Já sabia que o mais provável é que iria entrar no pau. Teve
seu filho, mas o menino era o demônio, o capeta. Só parou de mamar aos cinco
anos, não obedecia, passava os dias fazendo discursos hipotéticos como se fosse
um presidente de república. E o apanhou tomando uns goles de cachaça da garrafa
que ela guardava para o caso de uma necessidade. O menino acabou com a garrafa
em dois dias.
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Dia do nada
Casado, cheio de filhos para
alimentar, era muito, demais, para a sua capacidade de agüentar. Tinha que ir
embora. Olhou para o céu, lá no fundo do quintal. O céu estava cheio de
estrelas. Sua mulher tinha ido dormir na casa da prima porque tinham brigado
outra vez. Olhou de novo para o céu. Cada estrela eram duas. Ou estava mal das
vistas ou tinha bebido demais. Por isso nem ligou quando uma nave pousou no
quintal, silenciosamente, e dois sujeitos esquisitos desceram. Caminharam na
sua direção e o levaram para a nave. Teve então a certeza de que tinha bebido
demais, adormecera e estava dormindo. Dentro da nave, duas enfermeiras
igualmente esquisitas o manipularam numa espécie de maca. Adorou o sonho. Elas
mexiam em seu berimbau de um jeito gostoso. O sonho estava realmente bom
demais. No dia seguinte compraria mais uma garrafa de cachaça da mesma marca,
no mesmo armazém sem pintura, velho pra danar, que tinha lá na esquina da rua.
E tanto era sonho que se fosse realidade, como poderia entender o que as
enfermeiras diziam? Ouviu perfeitamente quando uma disse para a outra:
- Cuidado para não esterilizar
o batoque! – (não, pensou ele, jamais viraria uma estrela. Nem pensar). A outra
respondeu:
- Até que era bom. Pelo que
sei esse sujeito está cheio de filhos. Mas ainda tem que fazer mais um...
(então ele entendeu. Se era um sonho que os anjos lhe enviavam, teria mais um
filho, mas depois sumiria. Se eram os anjos que falavam, então Deus cuidaria
dos filhos. Enfim, livre!).
No fim de semana seguinte,
partiu para nunca mais voltar. A mulher ainda pensou que ele voltaria, mas sem
muita certeza.
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Dez anos depois do dia do nada.
- Vai estudar, menino[2].
Teus irmãos matam-se de trabalhar para sustentar a casa... Teu pai nem dinheiro
nos manda...
- Não precisa estudar mãe –
disse o garoto com aquele olhar confiante de “tiro certo” - Olha o pai. Bom
cidadão, trabalhador, cheio de filhos e sempre sem dinheiro. Me diz, mãe...
Adianta trabalhar? Vai... Anda, diz... Se me convencer eu estudo e trabalho.
Juro que trabalho. Só quero é o certificado de que estudei.
E como nesse dia estava com
a “corda toda”, continuou:
- E tem mais, mãe... Odeio,
odeio, odeio menino rico que não precisa nem trabalhar, odeio pobre porque não
tem inteligência para sair do buraco e vive sempre na miséria. Te digo mais...
Quando um dia eu for presidente, podendo estudar, não vou estudar nada. Odeio
essa gente inteligente, cheia de diproma, que anda toda engravatada, com olhar
superior cagando regra na cabeça da gente. Neste mundo só amo tu e meus irmãos.
O pai bebe e perde a cabeça. Eu já experimentei ficar bebo e num acontece nada.
Sou forte como um burro.
O menino falava muito, falava
pelos cotovelos. Parecia um sujeito instruído que sabia das coisas da vida e do
mundo, mas todos sabiam que não. Só tinha presença. Aquilo era um enganador.
Falso por fora e por dentro. Fugia da escola, e a mãe vivia numa sinuca com os
demais filhos que sempre arranjavam uma forma de ajudar em casa. O pai das
crianças havia sumido há dez anos atrás. Viera visitá-la uma vez e lhe deixara
uns trocados.Disse que a vida estava muito difícil e demonstrou muito carinho
com o filho mais novo, mas nem o viu, porque o garoto sempre dava um jeito de
desaparecer. A mãe que entendia tudo. Quando acabou o primário, a duras penas e
sem nenhuma convicção, ainda andou trabalhando nuns biscates mais por causa da
mãe e dos irmãos. Por ele não trabalharia mesmo.
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Cinqüenta e cinco anos (mais ou menos) depois do dia
do nada.
O garoto crescera. Apenas
com o primário era agora doutor “honoris causa” em universidades da Europa,
reconhecido como figura pública mundial, embora cercado por escândalos
pavorosos que, a serem na Europa, já estaria preso há muito tempo. Primeiro
uniu-se a antigos terroristas que tinham uma ideologia que poderia servir-lhe
para subir ao poder. Depois, já no poder, a bandidos anteriormente condenados
pela justiça. Quando fizeram um filme sobre a vida dele, e não se sabia ainda
que participara como mentor ou receptador de planos que usaram e abusaram
ilegalmente de verbas públicas, ainda tinha o apoio de intelectuais, mas depois
dos escândalos abandonaram o garoto crescido que queria e realizou um sonho:
Ser o maioral sem estudar, sem saber nada de nada a não ser representar e fazer
o seu papel de forma fenomenal: O de um inculto que com um sorriso, um olhar de
tranqüilidade tinha enganado sindicatos, comprado políticos, tudo com a ajuda
de antigos terroristas agora condenados por corrupção. Com sua influência
logrou que estes corruptos em vez de serem presos fossem reconduzidos com todas
as honras ao senado ao qual pertenciam antes de serem condenados. Baseado numa
premissa do Banco mundial que afirma que quem vive com dois dólares por dia não
é pobre, distribuiu verbas públicas perenes por famílias e cestas básicas cujo
valor somado não alcançam dois dólares por dia mas chegam perto. Com este
artifício amoral e até imoral, convenceu todo o mundo que tinha tirado da
pobreza cerca de quarenta milhões de cidadãos. Mas onde se vive com dois
dólares por dia sem ser considerado pobre? E se for possível – que não é – como
vivem?
Nunca estudou, e disfarçadamente continua odiando ricos e pobres, tomando seus tragos. Casou com uma múmia muda e inerte, usou os cofres públicos e as dependências do palácio para fazer negócios particulares e enriqueceu também o filho.
Rui Rodrigues
[1] Se por
acaso alguém se sentir identificado com algum personagem, só perguntando aos
ETÊS que andaram lá por Catités-CE. Se não acredita que Etês não existe nem no
dicionário, procure e tente encontrar, prezado leitor(a).
[2] No Brasil existe um sujeito com o qual o ET de Catités
pode até ser confundido, mas esse é o Lula e não este, e Lula não é nenhum ET.
Não tem a inteligência nem o conhecimento atribuído a Etês, mas é muito
esperto. Realmente um sujeito muito esperto.
Excelente texto. Parabéns ao autor.
ResponderExcluirObrigado e um grande abraço!
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