O despertar do monstro humanidade
Cada um de nós costuma olhar para si mesmo, fechar todas as portas e analisar o mundo que vê e sente. O problema maior de nossa incompreensão do mundo é exatamente esse: O que vemos e o que sentimos não é o mundo real. É apenas aquele que nossa percepção permite “entender”, fruto de nossa ignorância. A realidade está escondida. Uma forma muito simplista de mostrar essa nossa ignorância, é que dividimos o mundo entre “paisagem“ e ”humanidade“, sem percebermos que a humanidade faz parte da paisagem, e que é ela, a humanidade, que nos guia.
Mas o que é então a humanidade, o que faz, o que pensa?
A mais adequada forma de entendermos o que é a humanidade, da qual fazemos parte, parece ser assemelhá-la com uma enorme nuvem que aparece no céu, e que avistamos a bordo de uma embarcação. Se nossa embarcação é um bote, temos que ter muito receio da enorme nuvem escura. A bordo de uma caravela, também, mas um pouco mais seguros. Se estivermos navegando num porta-aviões, ainda nos podemos dar ao luxo de sairmos de avião ou helicóptero, dar uma olhada na nuvem, tirar algumas conclusões e nos sossegarmos ou tomarmos algumas providências. Se formos algumas gotas de água da nuvem, olharemos para baixo, para o ínfimo porta-aviões e nem nos questionaremos sobre o que seja “aquilo”. Se enfrentarmos a tripulação do porta-aviões, da caravela ou do bote, seremos imobilizados ou no mínimo ignorados. Estes dois castigos nos dão o sentimento de não pertencermos a um “grupo”, de nulidade, de quase não existência. É este sentimento de “existir”, pertencer a um grupo que nos aglutina à humanidade, fazendo parte integrante dela como a tal gota de chuva. E mesmo sendo apenas uma pequena gota de chuva da nuvem, não podemos nos comportar de forma muito diferente do restante das gotas, sob pena de cairmos ao mar, regarmos a terra para que a vida nela floresça. Mesmo não sendo gotas de chuva, também fertilizamos o solo com nossos corpos inertes.
E a própria nuvem se desfaz em gotas: Chove na Terra e a fertiliza.
Agora, com esta imagem, já podemos imaginar o que é a humanidade, o que faz, e o que pensa.
A humanidade é o conjunto dos seres vivos, cada um com sua dose de conhecimento, de preferências de comportamento, de músicas, de arte, de trabalhos, de tudo o que compõe este mundo como num supermercado, onde cada um compra o que pode e o que quer. De cada unidade de humanidade a que chamamos de seres vivos, pessoas, alguns despontam por qualquer qualidade particular apreciativa ou depreciativa. Muitas vezes apreciamos algum indivíduo, masculino ou feminino por alguma qualidade particular, mas somos obrigados a rejeitar e empurrar lá para o fundo de nosso inconsciente, bloqueados por conceitos de família, de grupo, de nação, ou da própria humanidade. Outras vezes seguimos o que alguém diz, os seus modos, a sua filosofia, algo que nos chamou a atenção, não fere a humanidade. Foi assim com René Descartes, um francês que disse que neste mundo nada se cria nada se perde, tudo se transforma. É verdade! Mas René Descartes referia-se à química das partículas. Porém se olharmos para o Universo vemos a mesma lei: nuvens de poeira se transformam em estrelas, as estrelas explodem depois de fabricarem os elementos pesados, os elementos pesados geram planetas e novas estrelas, e o ciclo recomeça. A Terra, como planeta “Gaia”, também não foge à regra: Corpos mortos, árvores mortas, fertilizam o solo, geram novas plantas, as plantas evoluem, alimentam novos e outros seres, que também evoluem, e a água segue o mesmo caminho: Vem das nuvens, cai no solo, purifica-se, evapora, forma nuvens, chove em terras e oceanos.
De vez em quando alguém, ou uma parte da humanidade desperta e toda ela fica iluminada, transparente. O céu fica azul, há esperanças para o futuro porque a solução para algo, por menos importante que possa parecer, foi descoberto por alguém, por alguma nação. Somos uma sociedade cuja sobrevivência necessita de novas descobertas a cada dia, como as de Einstein, Newton, Sabin, Madame Curie e tantos outros.
Religiosos apenas nos deram esperanças para um novo mundo, normalmente situadas para lá das fronteiras da morte, mas nós vivemos neste mundo, e é deste mundo que temos que cuidar. Temos de fazer deste mundo o paraíso que perdemos enquanto não nos preocupamos com a educação, com as descobertas da técnica. Não estaríamos agora com sete bilhões e meio de indivíduos se não tivesse sido descoberta a agricultura, o pau de plantar, o arado, a engenharia genética. Já teríamos perecido todos em guerras por sobrevivência.
É neste aspecto que a humanidade é um monstro que se pode destruir a si mesmo, como a nuvem Adamastor, desfeita em gotas de água que os ventos da história empurraram para longe. Somos gotas de água da humanidade, a humanidade é uma enorme nuvem feita de gente. Por isso a preocupação com o seu despertar. Parece que vivemos um momento histórico onde a pressão financeira de uma crise criada em 2008 por banqueiros, empurra para debaixo da ponte e para as ruas da amargura milhões de pessoas na Europa e já fez os seus estragos nos EUA. Na América Latina, mais inculta, políticos inescrupulosos aproveitam-se da crise para fazer renascer esperanças vãs de que o comunismo, o esquerdismo de Mao e Lênin podem ser implantados e resolver a situação. Políticos e empresários do apocalipse aproveitam o momento para roubar tudo o que podem como se o mundo fosse acabar amanhã. As forças públicas já não dão conta de tantos bandidos que agem em qualquer lugar, a qualquer hora e matam sem sequer ter motivo, certos de que não há lugar na prisão para todos e que a justiça se compra. Esta é a face da crise na América latina. Políticos vão para as televisões com caras de anjo, dizendo que fazem progressos e que se forem eleitos ou seus recomendados se elegerem a vida ficará melhor.
Mas se virmos a nuvem negra Adamastor como um conjunto de placas de nuvem, aglomeradas, veremos que se uma delas se desfizer em água, jogando suas gotas sobre o oceano, a nuvem toda pode desintegrar-se e, de igual forma se desfazer em água. Costuma ser terrível o despertar do monstro chamado humanidade
Há uma responsabilidade inerente a cada um de nós, porque fazemos parte da nuvem, fazemos parte da humanidade.
Rui Rodrigues
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