O profeta vive só à beira de uma praia onde se alimenta do que consegue pescar.
É um pescador. Há muitos pescadores neste mundo, e não só de peixe. Os que não pescam peixes, não usam redes.Usam a palavra como uma rede que pesca ilusões, ambições, esperanças que povoam a mente humana desesperada com tantas provações, e nela ficam enredados, digerindo a palavra, enquanto os profetas se vão para outros lugares, pescar mais, cada vez mais, numa ânsia antropofágica de evangelizar ideais, virtualidades, seres que esqueçam a realidade e se dediquem ao virtual.
Este profeta não. É um observador que só usa a sua rede para pescar peixes. Olha os rios, os lagos, as montanhas, os mares, os céus e os seres que neles habitam. É com os seres que se preocupa, mas sabe que em sua terra os profetas não fazem milagres. Longe de drogas, mesmo assim tem visões. E é uma delas que impressiona.
A visão nas palavras do profeta.
Era um pôr do sol da cor do fogo. As nuvens estavam coloridas de tons rosa, os mais suaves, de tons laranja, do vermelho mais vivo e antes que a Terra completasse a sua volta escondendo o Sol, as nuvens se escureceram, o céu se tingiu de tons escuros e o mar se encapelou, revoltado. Ouvi um estrondo atrás de mim e voltei-me em sua direção.
Vi uma enorme estrela vermelha do tamanho do Sol, com um enorme 13 milhões 13000 e 13 gravado a fogo no centro, sobre os campos longínquos, já no lusco-fusco do declinar da luz. Embaixo, no solo, um exército de bandeiras verdes e amarelas jazia no chão, inerte, prostrado, derrotado, tanques queimados, aviões abatidos, uma sucata de brava gente. Emoldurado pela estrela, uma figura aterradora com carnes aparentes de defecações humanas, escorrediças, pestilentas, os olhos esbugalhados, ávidos, barriga enorme, que tal como Cronos, filho de urano, o Céu, e de Gaia, a Terra, comia os próprios filhos. Este cavaleiro não comia os próprios filhos, mas comia os amigos, os colaboradores, guindados por ele ao poder sobre as gentes trabalhadoras, produtivas. Quando o vi, imponente, convencido, vociferando discursos, senti que, embora o mundo não lhe pertencesse, o tomava para si por puro prazer de ter o mundo. E queria o céu e queria a Terra, e nada o impedia em seu caminho. A cabeça era de defecações, o corpo de vísceras de amigos e colaboradores, carne moída, os pés de algodão.Vi-o acompanhado de mais três cavaleiros tão Petecalipses quanto ele mesmo, destruidores de tudo o que se construíra. E era este o primeiro dos quatro. Trazia na mão os símbolos que apoiava: Um ramo de papoulas sem pétalas, com os bulbos lavrados escorrendo seiva, moedas de ouro que tirava de um baú sem fim que carregava a tiracolo, onde se lia: “Tesouro Nacional”
E vi o segundo à sua direita, minha esquerda. Não era um cavaleiro. Era uma cavaleira que não tinha nenhum traço de algum dia ter dado um sorriso, odiando tudo, a vida, olhar autoritário desde nascença, sem amor a pai ou mãe, largada na vida, assim como a humana e paradisíaca Lilith, casada com Samael o anjo decaído, também esta não aceitava os homens como eram e os odiava, e odiava ainda mais as mulheres que os outros homens preferiam a ela. Tal como o primeiro cavaleiro esta segunda odiava a humanidade da terra onde nascera. Odiava quem produzia, porque ela não podia produzir, não podia governar: O que a movia era apenas a vontade de destruir, de perverter, de substituir a ordem que encontrou quando viu este mundo, pela desordem de sua mente sem sentido. Esta não procura riquezas, embora não as desperdice. Sua mente está voltada apenas para a desordem e tal como o primeiro cavaleiro mata para limpar o caminho, não faz amigos fora do caos. Trazia nas mãos uma clava cheia de espinhos de aço, seus pés enormes também de barro, o corpo redondo prenhe de vontades, a cabeça era uma enorme bola oca, os dentes terríveis e cortantes, os olhos flamejantes de ódio. Numa das mãos uma bandeira verde e amarela com cores vermelhas, uma afronta ao reino.
E vi surgir o terceiro cavaleiro, este de mãos redondas e sem calos, o mentor do caos, aquele que sabe e indica o caminho para o caos. Tal como o segundo cavaleiro, odiava tudo e todos, uma infância preocupada com a destruição em seu reino, renegando os outros pequenos deuses e quem o pariu. Seu corpo era como o de uma rã, escorregadia e verde, o sorriso de hiena, o olhar matreiro e dissimulado como o de um hobbit, o torso curvado, figura encolhida, um rato com sorriso de hiena. Numa das mãos, uma pasta enorme de onde saiam papéis, anotações, assinaturas, contratos. Fazia contratos com almas alheias prometendo-lhes o céu e lhes dava o inferno, o opróbrio, o esquecimento, a prisão. Seu rastro era de desperdícios, de projetos caóticos, também nunca trabalhou no seu reino. Nenhum desses três cavaleiros havia alguma vez trabalhado produtivamente em seu reino. E nem o quarto, a mão que fere, que mata, brandindo um facão do reino do nordeste, em longo braço de apoio aos três primeiros cavaleiros. Este um cavaleiro genuíno.
E lá estava ele, montado em seu cavalo negro como a noite, estropiando, levantando as patas da frente, ameaçadoras. Dava urros, ávido de sangue, tão amante do caos como os três primeiros e também nunca tinha trabalhado em seu reino. Vinham para mandar na Terra, poluir o continente, abraçar o mundo inteiro se possível. Este cavaleiro era o mais misterioso dos três, e em seu reino não se sabia que amizade o unira aos três primeiros. Uma figura sombria. Tenebrosa. Um matador. Trazia as mãos sujas de sangue, o cavalo coberto de membros decepados como se deles fosse feito.
Não havia nos arredores nada que se lhes opusesse. De todos os caídos a seus pés, nenhum deixara de ser enganado. Uns jaziam porque acreditaram em suas promessas e depois pereceram traídos; outros porque ficaram inertes e nada fizeram contra o seu avanço; outros ainda se lhe opuseram mas não passavam de meia dúzia. Os que ainda viviam e lhes faziam companhia, como grande exército, usavam drogas para se inebriar, outros contavam dinheiros, outros ainda tinham fé no que diziam. Trazia na mão um coração vertendo sangue e sua aparência era a de um compenetrado e inocente sacerdote inca.
Enfrentei-os e perguntei-lhes se sabiam sorrir. E me brindaram com os seus melhores sorrisos e me ofereceram todos os bens da Terra, como satanás, lúcifer, o chifrudo, tentando a Jesus no deserto, e lhes gritei que não. Mostrei-lhes o caminho para a salvação, e não me escutaram. Então os amaldiçoei por todo o mal que fizeram e ainda pretendem fazer, subvertendo a ordem em favor do caos, que só será visto e sentido quando os quatro cavaleiros iniciarem seu ultimo ataque á humanidade.
Mas então eu o vi despontar ao lado direito dos cavaleiros: O Messias da redenção deste reino. Usava uma capa preta do luto, tinha um olhar sério, feições de seriedade. Suas palavras eram a verdade. Atrás dele vinham outros como ele, nenhum indicado pelos quatros cavaleiros do petecalipse nem liam por sua cartilha ou seu livro vermelho de um Mao iniquo já aniquilado ou de um Stalin sanguinolento já esquecido. Um halo de luz brilhava no negrume da noite. Este não era um cavaleiro. Era um cavalheiro, não tinham distintivos, spenas portavam uma bandeira original e genuinamente verde e amarela como sempre foi.
Os quatro cavaleiros do Petecalipse para terem poder têm que subverter as leis, criar o caos, trocar a bandeira como simbolo de sua vitória, porque sem isto sua vaidade pessoal, sua ambição, sua glória nunca serão completadas. O reino está em perigo.
Rui Rodrigues
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