Arquivo do blog

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Natureza do Pontal do Peró.



A Natureza do Pontal do Peró.

A natureza é bela porque é a expressão da beleza natural, e está sempre desprevenida. Se ela se vestisse, perderia a beleza. Só o fato de escondermos a beleza com roupas maquiadas, disfarçantes, já nos indica que há algo errado conosco. Dizem que nos vestimos por causa da moral e da ética. Precisamos informar isso á natureza porque ela não tem a mínima condescendência com a vestimenta e moral e ética é algo que parece desconhecer tal como a entendemos nós. Uma rosa é sempre uma rosa, e é sempre bela, e nem a cor indica mais ou menos beleza de umas em relação às outras rosas. A natureza só não se apresenta desprevenida à noite, exatamente o contrário do que fazemos nós, que nos julgamos apreciadores do que é belo: Vestimo-nos de dia e nos despimos à noite, e é mais um sinal de que há algo errado conosco. No entanto não é sempre que a natureza se descobre completamente, ficando nua de corpo e alma. A natureza tem alma. O que vemos é apenas o corpo. Para vermos também a alma da natureza temos que apanhá-la ainda mais desprevenida do que de costume, de preferência ao nascer ou por do sol, mas sempre – e isto é absolutamente necessário – quando não houver mais ninguém por perto. È necessário mostrar nossa nudez à natureza para que ela se desiniba e nos mostre toda a sua nudez do corpo e da alma. Com sorte ainda se pode travar algum tipo de monólogo com ela.

Naquela madrugada, ainda noite escura com o barulho das ondas batendo na areia, apanhei minha câmara e fui até o Pontal do Peró. Fica perto de minha casa, que nem mais de cento e cinqüenta metros são de distância. No meio do caminho, uma estrada descuidada das prefeituras há mais de doze anos, parei para deixar passar uma cobra cipó que também parara para saber se eu iria passar primeiro. Estava com o corpo assente no chão, parada, ereta, pronta para atravessar o caminho, com a cabeça pontuda a uns quarenta centímetros do piso fazendo um “s”. Admirei-lhe a cortesia e esperei que passasse. Após breves segundos de hesitação, ela resolveu passar primeiro e calmamente saiu rastejando para o lado contrário ao das dunas. A natureza cooperava despindo-se das roupas superficiais como a vemos vestida e me mostrava a alma, o espírito, que eu tinha que entender, compreender, afagar, como a mulher carente apenas de nós e que dorme nos nossos braços, nos mostra a alma. Breve cheguei na praia, ainda noite escura. Não se pode chegar na praia com hora marcada, como quem vai para um evento apressadamente. A natureza gosta que seja admirada, que estejamos disponíveis, cheguemos antes do tempo e partamos depois que já se escondeu. Não se pode entender uma mulher sem entender a natureza nem esta sem conhecer aquela. Vivem juntas e são unha e carne. No entanto, diferentemente de qualquer mulher, a natureza sofre de amnésia diária. Esquece tudo do dia anterior e nasce todo o dia para abraçar o Sol como se o ontem nunca tivesse existido. Sua paixão por ele é transcendental, algo inimaginável.  Fica ruborizada logo que o vê, e adquire tons de rosa, laranja, vermelho fogo, tanto quando ele nasce tanto quando se vai para só voltar no dia seguinte. Contagia nuvens, a atmosfera inteira e tudo se ruboriza. Em dias em que a névoa sopra do mar ela perde a cabeça e até os sons do mar são abafados. Compartilha conosco essa paixão dando-nos, com o silêncio e seus rubores uma parte desse amor selvagem, natural, como em confidência de amantes sussurros. Dizem que são muitas as naturezas, cada uma diferente, e é verdade. Já amei a natureza dos vinhedos sobraçando rios em encostas íngremes, cumes num longe tão perto cobertos de neve, e até as naturezas dos desertos, que cada um tem a sua, e amei a todas como qualquer coração humano. Mas esta do Peró, do Pontal, é brasileira, de estirpe índia, tratada por negros que a amam, habitada por brancos, orientais, caucasianos, semitas, gentes de todos os credos, raças e preferências. Mesmo não sendo uma natureza eminentemente mística é certamente mista e diversa.

E entregue a meus pensamentos e ansiedade em ver a natureza mais uma vez, cada vez uma surpresa, ela me surpreendeu naquele dia. Estava maravilhosamente nua, entregue aos amores com seu Sol adorado, dependente, e sem se lembrar que o dia anterior tinha sido chuvoso e nem o vira, desabrochou suas flores, mostrou seu corpo envolto em bruma e espuma do mar e me olhou nos olhos. Naquele dia eu era o seu Sol, e bati a foto nesse momento exato, quando nascia. Ensinava-me também a bater fotos, que tal como tudo há que ter paciência e saber esperar. Ali fiquei com ela dizendo-lhe frases no ouvido, em pé, de braços em cruz, a cabeça ligeiramente levantada, os olhos semicerrados na direção do pequeno sol que começava a brilhar e sentindo por sua distância crescente em relação à linha do horizonte como a mãe Terra se movia girando devagar para trás de mim. Certamente a Natureza me ouviria porque a bruma abafava qualquer outro ruído e até as ondas do mar mareciam mais brandas, marulhentas. Coisa não rara entre os seres humanos, também o velho pescador de tarrafa a amava naquele amanhecer. Vi-o quando emergiu da bruma, o olhar nas ondas de tainha, a tarrafa no ombro, o passo lateral alongado e compassado, sempre pronto para correr e lançar a rede. Dirigi-me a ele e falamos da natureza. Contou-me dos tempos em que, ainda pela mão do pai, caminhavam desde Cabo Frio até o Pontal do Peró para pescar. As terras para dentro do mar, naquela época não estavam ainda tão assoreadas como agora, e havia um pequeno córrego junto às pedras. As onças vinham do lado de Búzios para beber água. Já vira uma onça e o filhote, e muitas pegadas que já não se vêem. Eram outros tempos em que além das tainhas cada um pescava cerca de dez anchovas grandes por dia com linha grossa de mão. Hoje se pescar uma ou duas é muito.

Não sei se o Calunga ainda monta a sua barraca na praia em dias de feriados prolongados, onde vendia cerveja e quitutes para acompanhar. Não importa. Políticos adoram dar seus nomes à natureza e Calunga não é um nome natural e ele nem é político. Muito mais bonito é tratar a natureza pelo seu nome condizente: Pontal do Peró. É um Pontal e fica no Peró, na Baía Formosa. Não se pode ofender a mulher a quem amamos dizendo-lhe no leito de amor o nome de outra. E quando voltei para casa com a minha foto da amada natureza do Pontal do Peró, levei muito mais do que a foto: O sabor das suas lágrimas de amor, espalhadas em espuma que respingava a cada onda que marulhava nas areias da praia onde siris assustados se alimentavam, procriavam. E trouxe o perfume de iodo que emanava daquele mar de lágrimas de prazer da Natureza viva.

Rui Rodrigues.

PS - Receita de espaguete “furadinho” com siris ao Pontal do Peró (Para duas pessoas)

  1. Pegue uns dez siris acabados de apanhar na praia do Pontal. Lave-os. Ponha-os para cozinhar em pouca água, suficiente apenas para cobri-los na panela. Reserve a água. Tire-lhes a carapaça e as patas que não servem. Limpe-os sem perder o conteúdo. Pegue o corpo de cada um e divida-o ao meio. Reserve também as garras.
  2. Numa frigideira funda ou numa panela coloque azeite (ou manteiga), três dentes grandes de alho cortados em fatias, meia cebola pequena e refogue ligeiramente com pimenta do reino ou com pimenta rosa disponível na área, apanhada à mão. Junte os siris cortados e as garras. Adicione um pouco de água do cozimento dos siris para não deixar secar. Adicione algumas folhas de coentro. Mexa de vez em quando. (se desejar pode refogar também com tomate cortado). O refogado fica pronto em cinco minutos.
  3. Enquanto refoga os siris, use o caldo que sobrou do cozimento para cozinhar o espaguete “furadinho”, que absorve mais o caldo do cozimento (ou caneloni, ou pene, o tipo de massa que desejar). Quando o espaguete estiver cozido, retire o excesso de água (que deverá ser muito pouca) e junte-lhe os siris refogados.
  4. Sirva com queijo ralado a gosto e acompanhe com vinho branco seco.
  5. E não tenha vergonha de comer os siris com a mão se necessário. A Natureza é sem vergonha mesmo.  Se gostar, me convide!

Sobremesa: Mousse de Maracujá. (preparada com uma a duas horas de antecedência)

Junte no liquidificador duas latas pequenas de doce de leite e uma garrafa de suco concentrado de maracujá. Bata durante um minuto, despeje o conteúdo em recipiente para levar ao freezer e deixe pelo tempo necessário para que esfrie sem solidificar. Está pronta para servir.







Nenhum comentário:

Postar um comentário

Grato por seus comentários.