O casamento e o presidente.
Sou dos que acreditam que o
sofrimento nos vem, ou da dor física, ou da dor de não entendermos as razões
dos fatos, os porquês da vida. Tanto as dores físicas quantos as “morais” são
provenientes do desconhecimento. As primeiras, quanto mais avançam os
conhecimentos da medicina, menos dores nos provocam as doenças, e menos são as
doenças que nos podem causar dores. No Egito antigo, por exemplo, faraós
morriam por infecção nas gengivas, de dores de dente. Hoje são raríssimos os casos.
As segundas dores, as do desconhecimento das razões de nosso sofrimento,
aquelas que doem no coração e nos fazem ter ataques cardíacos, curam-se também com
o conhecimento. Nós, humanos, estamos há milhares de anos, melhor, há milhões
de anos trabalhando nesse sentido: Eliminar o sofrimento tanto quanto possível,
e podermos dizer um dia, todos nós, homens, mulheres, de todos os gêneros: Sou
feliz!
Não raciocinar não é doença
física. É falta de hábito e disposição para beber do conhecimento que está disponível
em conversas, em publicações, em programas de televisão, e principalmente na
Internet, tudo disponível por relativamente baixo preço, e sempre será possível
disponibilizar alguns momentos por dia para nos dedicarmos ao conhecimento.
Presidentes apedeutas, se é que isso existe em algum lugar do mundo inteligente,
é gente preguiçosa que não quer progredir no trabalho, que quer viver às custas
do alheio. Se algum dia aparecer alguém querendo ser presidente da república
sendo apedeuta, não vote nele nem em quem ele indicar. Não é gente capaz de nos
impor ordens nem de serem seguidas em seus devaneios de promoção pessoal.
Para governar a própria vida
- quanto mais uma nação - é necessário sabermos o que queremos, e se o que
queremos é viável, sustentável, enfim, possível ao longo de nossas vidas, como
o casamento, para não falarmos de política, se bem que de certa forma, o
casamento é um assunto também político, uma instituição destinada a constatar
publicamente, através de uma aliança no dedo e uma cerimônia religiosa que
“esta mulher é minha, somente minha, apenas minha, exclusivamente minha”. Claro
que não precisamos contar para ninguém, e talvez jamais contaríamos, mas cada
um de nós, casados ou amantes, sabemos até que ponto isto não corresponde exatamente
à verdade. Mas lá está o que ainda não
aprendemos muito bem: Continuamos incentivando o espírito do casamento em
nossas crianças e contando a mesma história triste da gata borralheira e do
príncipe encantado, um sapo com quem a princesa casa, uma delas, a outra usava
sapatinho de vidro que quebra fácil e nem dobra para caminhar. Somos apenas um
pouco tontos, acreditando que alguns momentos de felicidade em que sonhamos com
abóboras encantadas que se transformam em diligências resplandecentes de ouro,
possam ser prelúdio de esperança para dias melhores que os nossos, para nossos
filhos e netos. Claro que as verdades doem, mas é só por instantes, no máximo
um par de dias, uma semana, mas a ilusão dói todos os dias. Por exemplo, a
ilusão de nos pavonearmos ao agradar às moças casamenteiras para que nos
escolham como maridos, ou de se pavonearem como aves de paraíso, mostrando seus
melhores coloridos de maquilagem, os melhores vestidos, os mais belos gestos
para nos convencerem de que são as mulheres perfeitas, as princesas de nossas
vidas que transformaremos em rainhas de uma família. Mas calma. Isto não é
falta de moral, de ética, ou algo reprovável. Faz parte da natureza, do fazer
“a corte” a quem pensamos que nos acompanhará por toda a vida, e quem segue
apenas a beleza, o que todos vêm, arrisca-se à competição: De beleza todos
entendemos sem ser necessário raciocinar, sem frequentar bancos de escola. Ter
capacidade para apreciar a beleza é talvez o único “almoço grátis” da natureza,
e ser aquele marido ou mulher que quando sai na rua com o companheiro ou
companheira provoca torceres de pescoço em sua direção, pode ser uma fonte de
problemas, a menos que não se importe, e na maioria dos casos nem importa se o
casal discute ou não: A fila lá fora é grande e a tentação ainda maior. Quem
resiste?
Então se inventam “receitas”
para a felicidade no casamento, como, por exemplo, discutir sempre a relação,
dar-se e entregar-se, não fazer da vida uma rotina, agradar sempre, e outras
estratégias, como se isso resolvesse. Resolver até resolve, mas infalivelmente
a relação chega às vias de fato em que não se quer mais discutir a relação
porque virou rotina, já não nos queremos dar nem receber porque a exaustão do
relacionamento nos tira a energia e a disposição. Dos dez mandamentos para uma
vida feliz, um deles fala sobre o casamento, afirmando que não se deve ambicionar
a mulher do próximo – e deveria dizer também que não se deve ambicionar o
marido da próxima – mas podemos imaginar um sujeito que peca em todos os outros
nove, e o que pensaria a mulher dele sobre a relação entre os dois. Mas que
digo eu? Nada que não se saiba. Basta admitir que sabemos o que de fato sabemos,
e logo chegamos à conclusão que não basta raciocinar e então saber: É também
imprescindível que possamos admitir para nós mesmos o que de fato sabemos.
Podemos ir mais longe...
Quantas “facetas” do comportamento humano conhecemos nós, cada um de nós? Uma
centena? Milhares? Milhões? Pois vos digo que são milhões vezes milhões, porque
dependendo das circunstâncias podemos mudar nosso comportamento, dependendo do
momento, se estamos de bom humor, se estamos num momento feliz, se temos
dinheiro, se estamos em casa ou na rua, se temos ou não um bom emprego, se
temos carro ou não, se somos ou não multados, se temos filhos e são felizes, se
não são... Então, como conhecer alguém por um par de dias, de meses, ou até de
anos, e dizer: É meu par para toda a vida? Se a vida muda a todo o instante?
Então, presos na palavra da aliança de casamento, vamos fazendo concessões ao longo da vida, deixando de sermos nós mesmos, e logo aceitaremos grandes
concessões.
Felizmente a humanidade tem
o condão de perceber – mesmo que de forma inconsciente – os atoleiros em que se
mete e com maior ou menor demora, consegue livrar-se deles. As mulheres já se
livraram do “paternalismo” do pater-família, são independentes, e não precisam
casar para terem sua independência. Pelo contrário, são agora independentes sem
precisar casar, com a certeza de que Deus abençoa o “não casamento” para a vida
e para além dela, da mesma forma que abençoa o não casamento de todo o reino vegetal
e animal deste planeta e não temos razão alguma para achar que por não sermos
“animais” Deus nos trataria de forma diferente. Somos como somos, e colhemos os
frutos do que somos ao longo da vida. E assim como os seres humanos deste
planeta são independentes e não precisam de paternalismos, nós que
raciocinamos, preferimos sempre um presidente inteligente e instruído que nos
representa lá fora, enquanto nos governamos aqui dentro, mas sempre nos
perguntando o que queremos. Também somos independentes. A moda é apenas adereço
dos corpos que têm uma mente. É uma ilusão que desvia as atenções da mente e
nos faz perder a vontade de raciocinar, de tão fascinados que ficamos com a
beleza. O construtor deste universo fez a natureza tão bela, que nos perdemos a
apreciá-la pela imagem que nos transmite, sem nos darmos ao trabalho de a
analisar e entender nos pequenos detalhes que sempre nos passam desapercebidos.
Sou mais um analista de detalhes do que de paisagens.
© Rui Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Grato por seus comentários.