Aeterna homo - Esse
mundo que não se vê se existe
É
feito de anjos e demônios, ou se preferirem, de duendes e dragões. Nunca vi
nenhum dos quatro. Então não existe. Há quem diga que existe. Que lhes faça bom
proveito, que curtam adoidado com toda a emoção e sapiência. Devem ser
superdotados de poderes transcendentais. Sou apenas um simples mortal tentando
me adaptar a um mundo que muda a todo instante por obras humanas e da natureza,
mas que existe, se vê, é do nosso meio. Coisas que sistematicamente se chamam
se invocam e não aparecem, não existem... E não adianta ter fé daquela
inabalável. Se não me é dado ver o que não existe, é porque, como qualquer
pessoa normal, não preciso ver. Se precisasse, veria mesmo sem ver, por causa
da tal fé, mas fé também se adquire por autoconvencimento ou por decepções
contínuas. Victor Hugo, filho de um casal amigo, tinha quatro anos de idade
quando brincando de esconde-esconde subiu na ponta da mesa, sentou-se e tapou
os olhos com as mãos. Disse-lhe para se esconder depressa, que já tinha perdido
tempo, e me respondeu que não precisava porque estava ‘invisível”. Dizem que há
água debaixo da terra, que também não se vê mas existe. Existe sim. Acredito
piamente embora não a veja a todo instante. Só quando coloco uma tubulação
enfiada no solo, uma bomba e a sugo até a superfície. Não há duendes, nem
dragões, nem anjos nem demônios nessas águas, porque nunca nenhum foi sugado
pela bomba.
O
que por vezes nos confunde são os arautos do passado, quando contam coisas que
dizem ter visto, citam testemunhas, mas não estavam “lá” quando dizem que essas
coisas aconteceram. Um dia recebi a visita de meus cunhados, ela irmã de minha
ex-esposa. Ela resolveu ir ao Rio numa quinta feira, e eu fiquei com o marido
dela. Ficamos conversando, indo á praia e tomando umas cervejas. Como ele gosta
de pintar e eu também, aproveitamos umas telas e pintamos cada um seu quadro
enquanto conversávamos. Um vizinho que nos viu chegando da praia, e que pelos
vistos não é do rol de amigos, espalhou que eu estava vivendo com um homem. Não
estou nem um pouco preocupado em saber se acreditaram no vizinho ou não. Quem
perderá o crédito – se já não perdeu – é ele, não eu. E crédito de crentes que
crêem em qualquer coisa, não tem o mínimo valor. Podem acreditar em duendes,
dragões, anjos e demônios, sereias, adamastores, e até em políticos de ocasião,
alardeados por propaganda. Pode garantir-se que qualquer ser humano que tente
caminhar sobre as águas se afundará, que jamais alguém subirá vivo aos céus por
levitação ou numa carruagem de fogo. E nem se transformará em estrelinha ao
sair deste mundo por alguma porta por onde nunca entrou. Somos daqui mesmo,
este é o nosso endereço: Via Láctea, Planeta Terra, qualquer lugar onde
temporariamente se viva. Para os que vivem nos céus, naqueles mais afastados,
nós não existimos. Provavelmente nem saberão que nosso planeta seja habitado.
Quem viva em céus mais próximos não tem a mínima cultura, porque já conhecemos
esses céus aos quais mandamos artefatos que nós mesmos construímos e não vimos
nenhuma vida inteligente além da nossa. O céu das almas não é esse, não são
esses os céus dos espíritos. É mais fácil que exista no imenso céu das
sinapses, aquela troca de informação entre nossos neurônios que guardam
recordações para que possam ser consultadas. Como para funcionarem os
neurônios precisam de energia, quando a
nossa energia terminar cessam as sinapses, vai-se a memória por completo e não
sobra nada. Podem queimar à vontade, jogar no mar para alimentar os peixes, na
terra para servir de adubo – os cemitérios são um desperdício de matéria
orgânica aproveitável – jogar numa fábrica de reaproveitamento de produtos
químicos.
Se
olharmos para o passado, há no que acreditar simplesmente por que “disseram”.
Muito do que disseram faz até sentido, mas é preciso ter fé ou comprovar.
Quando se comprova se transforma numa verdade. Houve sim, a batalha das
Termópilas, na Grécia, onde 300 espartanos teriam vencido 3.000.000 de persas
segundo historiadores gregos da oportunidade. Era um exagero para inflar o
orgulho do povo. Comprovadamente por escavações e estudos, eram aproximadamente
3.000 os gregos, mas não só espartanos, e cerca de 300.000 os persas, e não só
persas. Essa batalha heróica os gregos perderam, mas serviu para dias depois
ganharem a batalha final que os livrou dos persas. “Ver” o passado, é possível,
e até confirmá-lo ou corrigi-lo, e com o uso de equipamentos modernos podemos
até filmá-lo e guardar para o futuro. Ver o futuro, isso é impossível, embora
possamos admitir muito facilmente que, a julgar pelo passado, o futuro
continuará a existir para quem chegar nele ou viver nessa ocasião. Os
visionários do passado eram todos falsos. Escreveram sobre o passado - já no
futuro - como se estivessem no passado, e pudessem adivinhar o futuro sob
“bênçãos divinas”. Mas há outro modo, não de ver, mas de vislumbrar o futuro e
a quase “eternidade” do homem com base na tecnologia já disponível.
O
homem eterno - Aeterna homo
É
simples. Uma bomba de oxigênio para oxigenar o cérebro, uma fonte líquida de
alimento com propriedades similares ao sangue, com filtragem de dejetos, e um elemento de transição que
permita comandar o corpo com o cérebro. O resto do corpo é completamente
mecânico e reparável com peças de reposição, pelo próprio corpo. Podemos nos
perguntar porque já não fomos feitos assim. A resposta é simples: A natureza
fez a sua parte. Se quisermos melhorar teremos que fazer a nossa parte. Uma
delas é deixarmos de ver fantasmas ao meio-dia, deixarmos de nos melindrar com
conceitos, preceitos e preconceitos, trabalhar duro e rapidamente, de forma
produtiva antes que a vida neste planeta acabe, e partir para o abraço
mecânico.
Todas
as condições subjetivas humanas ficarão garantidas. Somos humanos no cérebro! E muitos continuarão vendo duendes, dragões, santos e demônios, e ainda acreditarão que com muita fé se possa andar sobre as águas e ressuscitar. Mas até a cabeça sobre corpo mecânico um dia pifa e vai para o brejo, e com exceção da cabeça, todos os outros órgãos poderão ser reaproveitados sem melindres.
®
Rui Rodrigues
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