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sábado, 18 de julho de 2015

O meu amor pelo Chile





Eu era ainda um garotinho, lá pelos idos dos anos 50, que pouco passara dos nove anos e não sabia quase nada da vida. O que mais sabia é que tinha matemática e meninas para me divertir, cada uma de um jeito (a matemática pela precisão e as meninas pela imprevisibilidade), vinhedos e vinho, animais diversos, e gentes com costumes e aparência tão diferente, que achei que, se um dia não me sentisse bem num lugar, haveria gente agrupada em continentes, em cujo meio me poderia situar de modo feliz. É que santos da porta não fazem milagres e percebi isso muito rapidamente. Como português nato, aprendi a comer peixe e crustáceos com minha tia Elisa e com meu tio, que casou com ela, de nome Adolfo Manuel Rodrigues Melo Marques Durães. È um nome muito comprido o do meu tio postiço que foi como um pai e do qual sinto saudades. Não tive coragem de vê-lo quando estava no leito de morte. Senti-me um covarde! Não me perdôo. Para me salvar um pouco da covardia, não me fiz presente para não ter que chorar a sua morte, e guardar coisas tristes a seu respeito. Preferi guardar apenas os bons momentos. Senti-me covarde e egoísta! Mas foi com ele que pela primeira vez tomei conhecimento de um país chamado Chile. 
Costumava levar-me numa rua ali no centro de Lisboa, a Rua Barros Queirós, muito estreita, ligando o largo de Martim Moniz ao Rossio, e onde havia uma loja que vendia revistas em quadrinhos do Brasil. Havia uma lei segundo a qual não se podiam editar livros em literatura do Brasil porque não havia acordo ortográfico, uma lei bárbara, idiota, retrógrada. Naquela rua podia vender-se. Acho que o dono era amigo dos amigos do Salazar ou dele mesmo. Numa das revistas que me comprou, havia uma do Walt Disney falando sobre o Chile. Memorizei o país.
Muito pouco tempo depois, já que lia fluentemente, minha prima Alice nos visitou na Rua de Arroios, em frente á Praça onde fica ainda a Igreja de Arroios, a um quarteirão da Praça do Chile. Morávamos no numero 147, num rés-do-chão com área de serviço enorme que ia de lado a lado do prédio, um jardim aos fundos que pertencia aos donos do quarto andar. Ao lado a Esquadra da Polícia. O prédio já foi abaixo. A rua ainda está lá. Meu tio já faleceu há bastantes décadas, Salazar já não existe, o acordo ortográfico agora permite livros brasileiros. Portugal progrediu muito. Minha tia foi-se também, mas ela é que era a “dura”, mais que alemã, na minha educação. Tirando os exageros, que descanse em paz. Nada a reclamar. A culpa foi de meu pai que me deixou tantos anos com ela. Um amigo meu quando me viu em Lisboa décadas depois me perguntou se a “jararaca” de minha tia ainda era viva. Foi o Pedro, um vizinho na época que morava no quarto andar, mas não era o dono do jardim, que era umas dez vezes maior que a área do jardim do nosso apartamento. Só havia dois jardins naquele prédio de quatro andares, dois por andar... Uma merda arquitetônica, com 13 dependências, feita provavelmente por amigos do regime de Salazar, que fizeram a distribuição das áreas como bem lhes aprouve por interesses escusos. 
Com aquela idade senti o cheiro da problemática, mas só depois percebi como se faziam apartamentos daqueles. Meu tio era de família tradicional e se explica porque ganhou uma área daquelas, mas não a do jardim do quarto andar. Um par de anos depois, minha prima Alice me ofereceu de aniversário, um livro extraordinário que devorei em um par de dias: “Vinte mil léguas submarinas” do Julio Verne. Permitam-me uma breve pausa para segurar um par de lágrimas pela recordação saudosa de meu tio e de minha prima Alice, e pelo bem que me fizeram, por sua contribuição para o meu conhecimento de poder ver para o lado bom da vida. A vida é um rosário de penas que deve ser aliviado com bons momentos sem que nela se pense. No livro do Julio Verne faz-se menção a Pucón, creio, uma cidade chilena. Se não era essa era outra do sul do Chile, mas “cheirava” a mar, a peixe e a mariscos. É bom ler livros tentando identificar os hipotéticos cheiros. São os fígados de peixe que mais têm cheiro de peixe. Nada melhor para realçar o sabor de peixe do que um pouco de fígado, como por exemplo, num caldo. Certo dia, li num livro de geografia que o Chile era o único país fora do Mediterrâneo que tinha clima mediterrâneo. Isso, aliado ao sentido de aventura, aos vinhedos, aos peixes e mariscos, ao oceano Pacífico, aguçou minha curiosidade pelo Chile.

Pelo final do ano de 1973 saí da empresa Contal no Rio Grande do Sul para onde tinha ido – do Rio de Janeiro - como gerente da Empresa, e fui para São Paulo convidado por uma outra: A Formaespaço. Fui morar na Avenida Paulista com minha esposa e uma filhinha de 11 meses de idade. Conheci então um casal chileno que vivia num apartamento em frente ao meu: Jaime Irigoyen e sua esposa Letícia Nicoletti, também com uma “nena”, a Valentina. Fizemos amizade no dia em que Letízia bateu á nossa porta e se ofereceu para o que fosse necessário. Um gesto muito lindo, raro em qualquer cidade do mundo. Nossa vida, a partir daí, foi uma série de coincidências de trabalharmos em mesmas cidades ou países, ainda que em empresas diferentes. Foi assim que conhecidos em São Paulo, nos mudamos para o Rio, para Barranquilla na Colômbia, para Lisboa e Madrid, para Santiago do Chile. Parece que seja o que for que possa estar traçando destinos – e não acredito nisso – nos estivesse juntando as famílias, para nos dizer: Ficai juntos!


Em 1999, A família Irigoyen estava no Chile, em Santiago, morando no bairro El Golf. E para onde me manda uma empresa brasileira com origem americana, a Becthel do Brasil? Para Santiago, para ajudar na solução de problemas de contratos na Mineria Los Pelambres. Fui para o escritório em Santiago do Chile e lá estavam os irigoyen, agora com Felipe, meu sobrinho postiço, melhor, meu filho “postiço” por questões de amizade. E conheci o Chile com tudo o que tem, de norte a sul por força de trabalho e de lazer nos tempos vagos. Ao final do trabalho a empresa me deu, como gratificação ou agrado, uma viagem ao sul do Chile, por quinze dias, com tudo pago, até a Patagônia. 


Entre amigos chilenos, costumes, vinho, peixe e mariscos, cultura, o Chile é dos países de meu coração, ao qual nem passaporte chileno me faz falta. Sou da casa, sinto-me em casa. Na Colômbia também, mas Chile tem clima mediterrânico, peixe, mariscos e amigos que na Colômbia não tenho iguais.





® Rui Rodrigues

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