Não há
ninguém neste mundo que possa dizer que não respeitei os idosos e que não os
ouvi, sempre, atentamente. Aprendi muito com eles, hoje sou idoso também.
Um dia
peguei o possante Renault Clio 1.0, “vermelhão francês cansado”, mais que suficiente
para as estradas portuguesas, e pus-me a caminho, com minha família, desde
Lisboa até o Algarve. Abalamos da Quinta do Junqueiro onde vivíamos, até
Armação de Pêra onde ainda vivem meus tios (amados) Miguel e Nilde.
Lembro
que pelo caminho ainda dissertávamos sobre aqueles casos de pessoas que pegavam
carona e eram encontradas abandonadas à beira da estrada, ainda desacordadas,
depois de terem passado por cirurgias que lhes tinham extirpado um rim, parte
do fígado, ou um pulmão, para serem vendidos no mercado negro das “doações” de
órgãos. Muita fantasia, em que as vítimas eram anestesiadas por “boas noites
cinderelas” ou com clorofórmio durante as caronas. Por aquela época eu andava
pelos 45 anos e meus tios pelos sessenta.
Quando
chegamos a Armação de Pêra vimos uma vila simpática, bem algarvia, casas na
maioria brancas com aconchegantes chaminés típicas, e lá estava, numa esquina
com alto muro, de frente para uma plantação de amendoeiras ainda não em flor, a
casa de meus tios, com pomar, vinha, horta e até um mamoeiro protegido por
plástico para combater o frio, para ver se vingava e dava frutos. Uma vez
brasileiro, é como vício... Gruda no corpo, na alma. Creio que se todos os
europeus pudessem ou se arriscassem, morariam aqui no Brasil. O problema são as
políticas e os políticos que estragam a beleza da terra. Por lá também, mas
parece que são mais comedidos, ou têm mais medo das leis.
Ficamos
lá num final de semana mais extenso, não me lembro se sábado domingo e segunda,
ou sexta sábado e domingo. Pois por incrível que pareça, ainda aprendi com eles
várias coisas.
O que
mais nos interessa a nós, aqui no Brasil, que convivemos com uma inflação
galopante, foi a arca que compraram. Arca é aquele freezer horizontal, enorme.
Estava cheio... Aliás, creio que nunca se esvazia. É uma lição de economia
doméstica. Sempre que saem a passeio pelos supermercados, ou por granjas, e
vêem produtos com preço “bom” e sabem que precisam repor estoques, compram. Tática
que faz parte da batalha contra a inflação. Mas não era só desse modo que
economizavam enquanto se divertiam.
O
vizinho em frente, quando colhia as amêndoas, dessas que se compram pelo natal,
não colhia todas porque nem todas estavam maduras, e não contrataria ninguém
para recolher os restos porque não valiam a pena. Para meus tios sim, e com
permissão do vizinho, lá catavam uns bons baldes de amêndoas... E com outros
vizinhos, cachos de uvas remanescentes para fazer vinho, azeitonas para fazer
conservas e azeite... Bebi vinho do “Miguel & Nilde”, azeite da mesma
“marca”, ambos excelentes, amêndoas torradas como aperitivo, que não eram
apenas as amêndoas. Eram deliciosas as alcachofras colhidas a monte.
Meus
tios nascidos no Norte e a meio caminho entre Algarve e Norte (ela é brasileira
de Coimbra), são e sempre foram o meu aperitivo para as coisas boas da vida, um
belo exemplo de companheirismo. Mas tenho minhas imperfeições, ou não, e não
aprendi tudo. Claro! Sei muito de sua vida, mas não sou eles, nem sei tudo nem
tenho que saber. Armação de Pêra tem praia, pescadores, redes, o clima não é
tão frio, uma casa, uma família, vinho às refeições, uns passeios a pé, calor
humano até no inverno, lembranças quase seculares. Muita coisa mudou lá fora.
Dentro da casa, quase nada. Só uma adaptação aos tempos e á idade.
Aprendi
muito com eles. Dou-lhes minha gratidão e lhes agradeço boa parte dos meus
prazeres da vida. A felicidade não é coisa simples, mas não tem nada de
complicada. Basta ficarmos felizes conosco mesmos, se nossa moral não nos
condena. E muitas vezes nossos "pais", nossos maiores exemplos, nem são os pais, mas os tios, os avós, os primos, e até casais de amigos... E fico imensamente grato a Fornelos onde eu, meu pai, minha tia Elisa e meu tio nascemos. Obrigado, Brasil, e Rio Grande do Sul, Brasil inteiro, que tão bem, mas tão bem me acolheste e à minha família.
® Rui
Rodrigues.
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