Viver é muito simples e gostoso.
Costumamos reclamar muito da
vida. Então, para mostrar que não temos tantos motivos para reclamar, escolhi o
mais difícil período da evolução humana para poder mostrar que a vida sim é
muito simples, e gostosa de ser vivida. E como prova de que valeu a pena,
estamos aqui para lembrar nossos amados ancestrais, nossos heróis, nossos
milhares, milhões de pais e mães que ficaram no passado. Ficaram não. Se
pudéssemos viajar a outro planeta em outra galáxia e assestássemos um telescópio
super potente para a Terra, veríamos todo o passado de nosso planeta dia a dia,
instante a instante e cada um deles. Mas falar desta possibilidade [1]é
outra história.
Imagine um mundo selvagem
daqueles tempos em que, extintos os dinossauros, os primeiros primatas
começaram a palmilhar este planeta sempre em busca de fontes de água e árvores
de frutos, arbustos comestíveis... Não tinham noção nem de quem eram, nem de
onde estavam, e muito menos da razão, se é que havia alguma, de estarem ali,
fazendo parte de pequenos grupos para melhor se defenderem dos predadores. Sim.
Havia predadores, bastantes, fortes, ágeis. O tigre dente de sabre era um
deles. O que pensariam esses primeiros primatas, numa situação de perigo, vendo
um tigre dente de sabre atacando um membro do seu grupo, que se isolara por
descuido, ou, para garantir a segurança do grupo, que se aventurara a ir um
pouco mais á frente, assim como uma isca, um escuta. Talvez que o primeiro
sentimento fosse o da perda de “algo” que fizera parte de suas vidas, e com o
qual talvez até se tivessem divertido algumas vezes, quiçá um bom companheiro
que os ajudava a colher frutas, um herói de lutas contra predadores, o mais
atento do grupo que podia detectar o perigo mais facilmente que os demais. Talvez,
porém, logo lhes adviesse um segundo sentimento. E agora, que ele estava sendo
comido pelo tigre, quem iria à frente como escuta, para ajudar o grupo em seu
caminho a são e salvo? Qual deles seria escolhido pelo macho dominante, o
chefe, para a função? E talvez um ultimo sentimento, caso ele tivesse uma
companheira, filhotes: Quem se tornaria responsável por eles? Como lhes contar
a fatalidade?
Visto assim, a vida parece
difícil, mas esses momentos tensos não aconteciam todos os dias, nem todas as
semanas. Viviam tão preocupados com a vida do dia a dia, que o tempo para eles
deveria ser muito relativo. Nem sabiam contar os meses nem os anos.
Simplesmente viviam. Suas preocupações eram a água, o alimento, a segurança,
conseguir uma fêmea para sentir prazer, mas para isso era necessário que ela
tivesse “o cheiro”, aquele cheiro que os excitava, e elas nem sempre tinham
esse cheiro. Não eram raras as brigas às dentadas, porque não conheciam armas
nem utensílios para bater. Também não tinham nem idéia que transando poderiam
gerar filhos. Seu faro apuradíssimo lhes salvava as vidas amiúde, percebendo a
presença de predadores nas imediações. No entanto, predadores sempre pegam as
presas mais fáceis, e esses nossos ancestrais não eram fáceis de pegar. Por
outro lado, predador alimentado não costuma atacar, a não ser que se sinta
provocado ou em risco e só matam o que precisam para comer. Por isso a
mortandade entre eles era baixa. O maior problema eram as doenças, as quedas, a
idade que geralmente não passava dos 30 anos. Mas não eram dias mais perigosos que os de hoje.
Podemos imaginar melhor vida
que sair pelo mundo sem estradas, sem aviões, em contato direto com a natureza,
sem grandes ambições porque os bens disponíveis se resumiam apenas a
alimentação, água e oportunidade de fazer sexo? O máximo de que poderiam ter
inveja era a força do mais forte do grupo para comer sempre o melhor pedaço,
pegar o melhor lugar á sombra, ter a mulher mais apetecível. Mas quando
descobriram o fogo, almejaram também se sentar no lugar mais conveniente perto
do calor nos dias frios e nas noites escuras, mas isso era prerrogativa do mais
forte. A descoberta da primeira arma, um tacape provavelmente, transformou seus
objetos de desejo. Cada um queria ter o tacape mais eficiente. Depois, com a
evolução, o arco mais duro e flexível, as melhores flechas, a melhor casa feita
de varas e cobertas com peles de animais.
Estamos chegando a um ponto,
nos dias de hoje, em que há tanta coisa, tanta coisa que se poderia ter, que
queremos ter tudo. Continuamos apreciando a mulher do próximo, perdemos o faro
para o cheiro das mulheres que já nem têm cio, porque isso se tornou
irrelevante, já nem importância damos á virgindade, e até a cada dia mais de
nós perdem o interesse por mulheres, e vice-versa, porque o objeto do desejo
passou a ser o prazer, e não a mulher ou o homem. Discussões atentam contra o
prazer e o matam. Já não precisamos viver em grupo, mas com tanta violência
crescente, talvez tenha chegado o tempo de resgatar esse hábito dos nossos
ancestrais. Andar em grupos pelas ruas
pode ser uma razoável estratégia de
defesa, até o dia em que os “predadores” percebam que também podem andar em
grupos para terem mais eficiência nas “caçadas”. Por isso que muitos se isolam
numa era de nossa evolução em que, em vez de 30 anos de expectativa de vida, já
chegamos aos quase 80 anos. Somos agora mais altos e mais fortes que nossos
antepassados e a coleção de bens disponíveis candidatos a objetos de nossos
desejos, são inumeráveis.
Já pensou em passar seus
dias vendo o nascer do Sol, trabalhar umas horas, comer, voltar a trabalhar,
preparar o jantar, ver o pôr do sol, dar uma transada, conversar, tomar um copo
de água e ler antes de dormir? Pode ter um automóvel, mas com tantos
transtornos valerá a pena, com tantos ônibus, metrôs, trens, barcaças, todos
com motorista privado, pagando apenas a passagem e nada mais?
Apenas como exemplo.
E o que é “qualidade de
vida” sem que nos tornemos escravos dessa qualidade?
Vale a pena pensar enquanto
se lê sobre a vida na Terra, um conto de Shakespeare, um livro de história de
qualquer nação, civilizações antigas, e há tanta literatura em prosa e verso...
E com música então, fica muito melhor.
® Rui Rodrigues
[1] Passado, presente e futuro
co-existem eternamente neste nosso universo. É uma vertente muito forte das
características da Física Quântica.
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