Piratas também amam: Mary
Read.
Se gosta de histórias de
piratas, pegue seu chá, seu cafezinho, seu pacote de biscoitos, sua cerveja
água ou uísque, e sente-se confortavelmente, por que a história não é curta,
sem ser longa. Vamos começar sem o famoso “Era uma vez...” Saiba, porém, que
naquela época quem tomava banho três vezes ao ano era cheiroso(a), os perfumes
eram raros e caros, morria-se de doenças desconhecidas, roupas grossas escuras
e quentes serviam para diminuir a fedentina corporal. Em dia que a história não
conta, homens cortaram as calças pelo joelho para diminuir o calor, criando as
primeiras bermudas e mulheres jogaram fora certas partes de seu vestuário. Anne
Bonny e Mary Read usavam calças
- Mary Read
Mary Read desde cedo usava
roupas de menino. Não por opção sexual. Nascera na Inglaterra filha ilegítima
da viúva de James Kid, um capitão do mar, e sua mãe não quis perder a pensão da
sogra, que só era dada a filhos homens. Ela tinha um irmão mais velho, mas este
morreu e ela herdou a pensão. Aos 13 anos foi admitida como pajem de uma
senhora francesa muito rica, mas não agüentou o trabalho. Fugiu ou foi apanhada
pelos recrutadores que palmilhavam as ruas em busca de jovens em idade de
embarcar ou combater, porque era assim que se fazia recrutamento, e embarcou
num navio de guerra. Combateu na Flandres na infantaria com grande ferocidade.
Alistou-se mais tarde na cavalaria e se apaixonou por um soldado pouco tempo
depois de confessar que era uma mulher. Casaram-se e compraram uma taverna na
Holanda. A “The Three Horseshoes” – As três ferraduras próximo ao castelo de
Breda. Quando o marido morreu, logo depois, Mary Read voltou a vestir-se como
homem, tentou engajar-se no exército, mas não deu certo e embarcou para as
Índias Ocidentais como marinheiro. Durante a viagem seu navio foi atacado pelo
capitão Jack Rackham e feita prisioneira.
- Anne Bonny
A família de Anne Bonny
mudou-se para o novo mundo com a família. O pai era advogado. Casou-se com um
marinheiro pobre de nome James Bonny. Marinheiros pobres eram os comuns, da
Marinha de Guerra, ou da mercante. Só enriqueciam marinheiros de descobertas e
piratas, mas pouco havia já para descobrir por aquela época. Diz-se que o
marido de Anne não era muito valentão e era dos valentões que Anne gostava.
Homens para ela tinham que ser destemidos, valentes, aventureiros, estarem
sempre ávidos para manter relações sexuais, coisa que só acontecia com maridos
durante os primeiros anos de casamento. E com as esposas, também. Além de
descobrir novos mundos, Anne queria descobrir novos homens e se possível ficar
rica, mesmo que lhe custasse a vida. Qualidade e quantidade era o que queria,
queria o mundo. Largou o marido e foi procurar seus objetos de desejo, suas
aventuras, em Nassau [1]
nas Antilhas Holandesas. Apaixonou-se por “Calico Jack” Rackham, capitão de um
navio pirata. Anne Bonny deveria ser uma mulher muito interessante sob todo e
qualquer aspecto, sempre pronta, disponível, conhecedora dos desejos dos homens
sem, contudo, agir de forma a lhe faltarem com o respeito. Ela sabia
defender-se com pistola e espada como qualquer marinheiro belicoso e usava
calças.
- Na prisão
Agora Mary Read estava
grávida e febril. A seu lado na cela escura e fedorenta, coberta com palha,
estava Anne Bonny, sua companheira, também grávida. As duas haviam sido
capturadas pela esquadra britânica enquanto praticavam a pirataria nos mares do
Caribe a bordo do navio pirata da esquadra de “Calico Jack” Rackham. Estavam
condenadas à morte na Jamaica. Rackham, o terrível, era casado com Anne Bonny.
Mary Read com Bartholomew Roberts que se transformara num valente e temido
pirata a serviço de Rackham. A lei inglesa nunca falhava com prisioneiros,
assim que tinham a morte como certa. Seria uma questão de poucos meses. A corte
as condenara mas a sentença só seria executada após o nascimento das crianças.
Uma semana depois de dar à luz uma criança que morreria poucos dias depois,
Mary Read faleceu. A criança de Anne Bonny morreu também, mas o pai, rico,
pagou-lhe a fiança e ela voltou para o marido que abandonara. Não deixa de ser
interessante que Anne Bonny voltasse para o marido e que este a recebesse, mas
não podemos esquecer que o pai de Anne era rico. Há quem diga que não se juntou
ao marido, mas que foi viver com o pai. Faleceu em 1782.
- Certas coisas essenciais antes de prosseguirmos.
Histórias de piratas são sempre muito interessantes por que causam medo, temor, sem ser um medo ou temor real: Piratas já não existem e todo mundo sabe disso. No entanto, no apogeu dos navios exclusivamente à vela, eles foram terríveis, cruéis, a maioria não fazia prisioneiros nem poderia fazer: Não haveria mantimentos para todos, raramente tinham tripulação adicional para fazer navegar os navios apresados, e muitas vezes estes eram muito pesados, lentos. Piratas sempre tinham pressa. Normalmente afundavam os navios que conquistavam em batalhas sangrentas.
Algo que é necessário
saber-se, é que a Inglaterra começava a tornar-se a Rainha dos Mares. Não
querendo entrar em conflito com seus amigos e aliados europeus, a realeza
inglesa permitiu e incentivou a pirataria que lhe dava grandes lucros. Visando
lucros, sempre lucros, criou o sistema de fiança: Alguns crimes poderiam ser
relevados em troca de bom e gordo pagamento. Mas pirata que não desse os lucros
que deveria dar, ou prejudicasse pessoas erradas, tinha a cabeça posta a prêmio
sem direito a fiança. Teremos mudado muito de lá para cá? Bem... Estamos
falando de um período que vai desde 1645 a 1782.
- O mar
O mar atraía e assustava.
Atraía porque significava conhecer novas terras, olhares amplos e infinitos
entre muitos tons de azul – do céu e do mar até verdes - aventuras, mudança! O
mundo sempre quis mudanças nem que fosse de ares. E medo! Medo de fogos a
bordo, de tempestades, de marasmos, de sede, de escorbuto. Principalmente de
piratas. Só mulher bonita se salvava de um ataque pirata e mesmo assim não eram
todas. Por vezes os piratas tinham que escolher. Os mares estavam coalhados de
navios piratas e de navios de guerra que vasculhavam os mares em proteção a
embarcações comerciais que transportavam ouro, especiarias, pérolas, sedas,
açúcar, rum... E escravos! Por esta época, a Inglaterra era uma das principais
potências no trafico de escravos, que só desistiu desse comércio por causa da
revolução industrial.
- Os piratas que navegavam pelos mares.
Por essa época andavam nos
mares os piratas mais famosos e terríveis de todos os tempos como William Kidd,
Edward Teach, Bartholomew Roberts, Sir Henry Morgan, Bartolomeu Português, Jack
Rackham, Anne Bonny, Mary Read e alguns outros sem muita expressão, entenda-se
“sem expressão” sem causar tanto medo. Sem medo não pode haver aventura, sem
aventura não se sai do lugar.
William Kidd era um elegante escocês que nascera em 1645 e fora feito comandante por sua tripulação exatamente quando perseguia piratas a serviço da Marinha. Fora líder como cidadão de bem em N. York, e após ter apresado uma embarcação da East Índia Company, seu maior feito, enterrou o tesouro na ilha de Gardiner. Apanhado em Boston foi para a Inglaterra e condenado à forca. Por duas vezes se livrou porque as cordas se romperam, coisa inadmissível para os serviços de sua majestade britânica, mas acabou sendo morto e seu corpo exposto, amarrado com correntes à beira do Tamisa em 1701.
Edward Teach era o famoso
“barba negra”, talvez o mais famoso de todos. Inglês, nascido em 1680, tinha
quatro embarcações e cerca de 300 marujos de primeira. Atacou e venceu o famoso
HMS Scarborough e capturou mais de 40 navios mercantes, passou na espada muitos
prisioneiros reféns. Tinha uma namorada de 16 anos, que queria dizer-lhe como
agir e fazer. Embora mulherengo, deu a menina para entretenimento da tripulação
e não há notícias dela. Numa batalha com a Marinha real, O Barba Negra foi
decapitado e sua cabeça pendurada no rio Hampton como exemplo em 1718. Mas que
exemplo, se a Rainha incentivava a pirataria? Nada diferente dos dias de
hoje...
Bartholomew Roberts “Black
Bart” nasceu na Inglaterra em 1682, e ainda pequeno sofreu ataque de piratas.
Em vez de se inibir, foi eleito por sua tripulação e se transformou talvez no
mais bem sucedido de todos os piratas, se é que se pode chamar a isso de
sucesso: Capturou mais de 400 navios, uma façanha. Era admirado por sua
tripulação que lhe chamava de “à Prova de Pistola”. Foi morto por um capitão
também britânico, Chaloner Ogler, durante uma batalha naval em 1722. Talvez
seja o mais admirado dos piratas.
Anne Bonny era irlandesa e
nasceu em 1700, cerca de 12 anos após a morte de Henry Morgan, que de tão bons
feitos para a coroa britânica [2],
foi agraciado com o “Sir” de cavaleiro, mas durante muitos anos ainda seria um
exemplo para todos de um pirata bem sucedido. Morreu confortavelmente na
Jamaica, porque viver na Inglaterra que antes da condecoração o condenara,
era-lhe demasiado penoso por se sentir isolado e descriminado. Por outro lado,
e sob o ponto de vista da corte britânica, que piratas se atreveriam a invadir
a Jamaica com Morgan por lá? Anne Bonny conseguiu arranjar uma amiga em meio a
tantos navios e ilhas cheios de piratas truculentos, sanguinários,
interesseiros, dominadores. Esta é uma das histórias sobre ela: É como a
imaginei dentro do contexto da época. A partir deste ponto, muito é verdade, um
pouco é lenda, uma pitada é de imaginação.
- O encontro.
Quando o navio onde Mary
Read viajava a caminho das Índias Ocidentais foi atacado pelo de Calico Jack, nem toda a
tripulação foi dizimada. Mary foi escolhida para continuar a bordo como parte
da tripulação de Rackham, o Calico Jack, que tinha Anne Bonny como companheira.
Ambas sentiram uma atração mútua, e ficaram amigas. Talvez mais que uma simples
e inocente atração, porque tudo a bordo era muito estranho, fora dos padrões da
época. As duas vestiam calças, lutavam como homens. Bartholomew que se
apaixonaria de forma mútua ou conveniente por Mary, gostava de se vestir com um
casaco vermelho com estamparia de flores douradas e era religioso, usando um
crucifico enorme pendurado do peito, coberto de diamantes [3]. Bartholomew
Roberts, aliás, mantinha regras de bons tratos a mulheres a bordo, proibia o
consumo excessivo de álcool e fazia rezar missa regularmente aos domingos. A
impressão que se tem é que o terrível era o Rackham, realmente, e o passivo era
Roberts [4]. Nada
de admirar portanto que houvesse a bordo todo o tipo de relação sexual entre os
quatro, ficando até difícil dizer-se de quem eram os filhos de Mary e de Anne.
Talvez de Rackham mais certamente ou do Roberts de casaca vermelha com estampas
de flores douradas que rezava missa e desejava boa conduta a bordo. Não tomava
rum como todo mundo. Tomava chá. Entre as duas, a julgar pela atração do
primeiro encontro até que Mary revelasse que estava vestida de homem mas que
era mulher, não se poderia descartar a hipótese de uma relação muito mais
afetiva entre as duas. Mas não nos iludamos com Bartholomew Roberts. Ele e Mary
atacaram as costas brasileiras, as de África, da América do Norte, enforcou o
governador da Martinica Francesa, e impôs pesadas perdas à frotas mercantes de
companhias britânicas. Afirmar alguma coisa sobre estes e estas piratas é
temeridade. Podem ressurgir numa noite de nevoeiro e fazer-nos engolir as
nossas más línguas.
® Rui Rodrigues
® Rui Rodrigues
[1] Nassau foi fundada por Maurício de Nassau, de certa
forma um pirata que andou invadindo Pernambuco no nordeste do Brasil.
[2] Invadiu a rica cidade do Panamá saqueando-a para a coroa britânica, com
1.200 homens.
[3] No filme os Piratas do Caribe, o capitão Sparrow sugere tratar-se de
Bartholomew
[4] Assim como Batman e Robin.
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