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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Piratas também amam: Mary Read.

Piratas também amam: Mary Read.

Se gosta de histórias de piratas, pegue seu chá, seu cafezinho, seu pacote de biscoitos, sua cerveja água ou uísque, e sente-se confortavelmente, por que a história não é curta, sem ser longa. Vamos começar sem o famoso “Era uma vez...” Saiba, porém, que naquela época quem tomava banho três vezes ao ano era cheiroso(a), os perfumes eram raros e caros, morria-se de doenças desconhecidas, roupas grossas escuras e quentes serviam para diminuir a fedentina corporal. Em dia que a história não conta, homens cortaram as calças pelo joelho para diminuir o calor, criando as primeiras bermudas e mulheres jogaram fora certas partes de seu vestuário. Anne Bonny e Mary Read usavam calças

  1. Mary Read
Mary Read desde cedo usava roupas de menino. Não por opção sexual. Nascera na Inglaterra filha ilegítima da viúva de James Kid, um capitão do mar, e sua mãe não quis perder a pensão da sogra, que só era dada a filhos homens. Ela tinha um irmão mais velho, mas este morreu e ela herdou a pensão. Aos 13 anos foi admitida como pajem de uma senhora francesa muito rica, mas não agüentou o trabalho. Fugiu ou foi apanhada pelos recrutadores que palmilhavam as ruas em busca de jovens em idade de embarcar ou combater, porque era assim que se fazia recrutamento, e embarcou num navio de guerra. Combateu na Flandres na infantaria com grande ferocidade. Alistou-se mais tarde na cavalaria e se apaixonou por um soldado pouco tempo depois de confessar que era uma mulher. Casaram-se e compraram uma taverna na Holanda. A “The Three Horseshoes” – As três ferraduras próximo ao castelo de Breda. Quando o marido morreu, logo depois, Mary Read voltou a vestir-se como homem, tentou engajar-se no exército, mas não deu certo e embarcou para as Índias Ocidentais como marinheiro. Durante a viagem seu navio foi atacado pelo capitão Jack Rackham e feita prisioneira.  

  1. Anne Bonny
A família de Anne Bonny mudou-se para o novo mundo com a família. O pai era advogado. Casou-se com um marinheiro pobre de nome James Bonny. Marinheiros pobres eram os comuns, da Marinha de Guerra, ou da mercante. Só enriqueciam marinheiros de descobertas e piratas, mas pouco havia já para descobrir por aquela época. Diz-se que o marido de Anne não era muito valentão e era dos valentões que Anne gostava. Homens para ela tinham que ser destemidos, valentes, aventureiros, estarem sempre ávidos para manter relações sexuais, coisa que só acontecia com maridos durante os primeiros anos de casamento. E com as esposas, também. Além de descobrir novos mundos, Anne queria descobrir novos homens e se possível ficar rica, mesmo que lhe custasse a vida. Qualidade e quantidade era o que queria, queria o mundo. Largou o marido e foi procurar seus objetos de desejo, suas aventuras, em Nassau [1] nas Antilhas Holandesas. Apaixonou-se por “Calico Jack” Rackham, capitão de um navio pirata. Anne Bonny deveria ser uma mulher muito interessante sob todo e qualquer aspecto, sempre pronta, disponível, conhecedora dos desejos dos homens sem, contudo, agir de forma a lhe faltarem com o respeito. Ela sabia defender-se com pistola e espada como qualquer marinheiro belicoso e usava calças.


  1. Na prisão
Agora Mary Read estava grávida e febril. A seu lado na cela escura e fedorenta, coberta com palha, estava Anne Bonny, sua companheira, também grávida. As duas haviam sido capturadas pela esquadra britânica enquanto praticavam a pirataria nos mares do Caribe a bordo do navio pirata da esquadra de “Calico Jack” Rackham. Estavam condenadas à morte na Jamaica. Rackham, o terrível, era casado com Anne Bonny. Mary Read com Bartholomew Roberts que se transformara num valente e temido pirata a serviço de Rackham. A lei inglesa nunca falhava com prisioneiros, assim que tinham a morte como certa. Seria uma questão de poucos meses. A corte as condenara mas a sentença só seria executada após o nascimento das crianças. Uma semana depois de dar à luz uma criança que morreria poucos dias depois, Mary Read faleceu. A criança de Anne Bonny morreu também, mas o pai, rico, pagou-lhe a fiança e ela voltou para o marido que abandonara. Não deixa de ser interessante que Anne Bonny voltasse para o marido e que este a recebesse, mas não podemos esquecer que o pai de Anne era rico. Há quem diga que não se juntou ao marido, mas que foi viver com o pai. Faleceu em 1782.

  1. Certas coisas essenciais antes de prosseguirmos.

Histórias de piratas são sempre muito interessantes por que causam medo, temor, sem ser um medo ou temor real: Piratas já não existem e todo mundo sabe disso. No entanto, no apogeu dos navios exclusivamente à vela, eles foram terríveis, cruéis, a maioria não fazia prisioneiros nem poderia fazer: Não haveria mantimentos para todos, raramente tinham tripulação adicional para fazer navegar os navios apresados, e muitas vezes estes eram muito pesados, lentos. Piratas sempre tinham pressa. Normalmente afundavam os navios que conquistavam em batalhas sangrentas.

Algo que é necessário saber-se, é que a Inglaterra começava a tornar-se a Rainha dos Mares. Não querendo entrar em conflito com seus amigos e aliados europeus, a realeza inglesa permitiu e incentivou a pirataria que lhe dava grandes lucros. Visando lucros, sempre lucros, criou o sistema de fiança: Alguns crimes poderiam ser relevados em troca de bom e gordo pagamento. Mas pirata que não desse os lucros que deveria dar, ou prejudicasse pessoas erradas, tinha a cabeça posta a prêmio sem direito a fiança. Teremos mudado muito de lá para cá? Bem... Estamos falando de um período que vai desde 1645 a 1782.   

  1. O mar
O mar atraía e assustava. Atraía porque significava conhecer novas terras, olhares amplos e infinitos entre muitos tons de azul – do céu e do mar até verdes - aventuras, mudança! O mundo sempre quis mudanças nem que fosse de ares. E medo! Medo de fogos a bordo, de tempestades, de marasmos, de sede, de escorbuto. Principalmente de piratas. Só mulher bonita se salvava de um ataque pirata e mesmo assim não eram todas. Por vezes os piratas tinham que escolher. Os mares estavam coalhados de navios piratas e de navios de guerra que vasculhavam os mares em proteção a embarcações comerciais que transportavam ouro, especiarias, pérolas, sedas, açúcar, rum... E escravos! Por esta época, a Inglaterra era uma das principais potências no trafico de escravos, que só desistiu desse comércio por causa da revolução industrial.

  1. Os piratas que navegavam pelos mares.

Por essa época andavam nos mares os piratas mais famosos e terríveis de todos os tempos como William Kidd, Edward Teach, Bartholomew Roberts, Sir Henry Morgan, Bartolomeu Português, Jack Rackham, Anne Bonny, Mary Read e alguns outros sem muita expressão, entenda-se “sem expressão” sem causar tanto medo. Sem medo não pode haver aventura, sem aventura não se sai do lugar.

William Kidd era um elegante escocês que nascera em 1645 e fora feito comandante por sua tripulação exatamente quando perseguia piratas a serviço da Marinha. Fora líder como cidadão de bem em N. York, e após ter apresado uma embarcação da East Índia Company, seu maior feito, enterrou o tesouro na ilha de Gardiner. Apanhado em Boston foi para a Inglaterra e condenado à forca. Por duas vezes se livrou porque as cordas se romperam, coisa inadmissível para os serviços de sua majestade britânica, mas acabou sendo morto e seu corpo exposto, amarrado com correntes à beira do Tamisa em 1701.


Edward Teach era o famoso “barba negra”, talvez o mais famoso de todos. Inglês, nascido em 1680, tinha quatro embarcações e cerca de 300 marujos de primeira. Atacou e venceu o famoso HMS Scarborough e capturou mais de 40 navios mercantes, passou na espada muitos prisioneiros reféns. Tinha uma namorada de 16 anos, que queria dizer-lhe como agir e fazer. Embora mulherengo, deu a menina para entretenimento da tripulação e não há notícias dela. Numa batalha com a Marinha real, O Barba Negra foi decapitado e sua cabeça pendurada no rio Hampton como exemplo em 1718. Mas que exemplo, se a Rainha incentivava a pirataria? Nada diferente dos dias de hoje...

Bartholomew Roberts “Black Bart” nasceu na Inglaterra em 1682, e ainda pequeno sofreu ataque de piratas. Em vez de se inibir, foi eleito por sua tripulação e se transformou talvez no mais bem sucedido de todos os piratas, se é que se pode chamar a isso de sucesso: Capturou mais de 400 navios, uma façanha. Era admirado por sua tripulação que lhe chamava de “à Prova de Pistola”. Foi morto por um capitão também britânico, Chaloner Ogler, durante uma batalha naval em 1722. Talvez seja o mais admirado dos piratas.  


Anne Bonny era irlandesa e nasceu em 1700, cerca de 12 anos após a morte de Henry Morgan, que de tão bons feitos para a coroa britânica [2], foi agraciado com o “Sir” de cavaleiro, mas durante muitos anos ainda seria um exemplo para todos de um pirata bem sucedido. Morreu confortavelmente na Jamaica, porque viver na Inglaterra que antes da condecoração o condenara, era-lhe demasiado penoso por se sentir isolado e descriminado. Por outro lado, e sob o ponto de vista da corte britânica, que piratas se atreveriam a invadir a Jamaica com Morgan por lá? Anne Bonny conseguiu arranjar uma amiga em meio a tantos navios e ilhas cheios de piratas truculentos, sanguinários, interesseiros, dominadores. Esta é uma das histórias sobre ela: É como a imaginei dentro do contexto da época. A partir deste ponto, muito é verdade, um pouco é lenda, uma pitada é de imaginação.  

  1. O encontro.
Quando o navio onde Mary Read viajava a caminho das Índias Ocidentais foi  atacado pelo de Calico Jack, nem toda a tripulação foi dizimada. Mary foi escolhida para continuar a bordo como parte da tripulação de Rackham, o Calico Jack, que tinha Anne Bonny como companheira. Ambas sentiram uma atração mútua, e ficaram amigas. Talvez mais que uma simples e inocente atração, porque tudo a bordo era muito estranho, fora dos padrões da época. As duas vestiam calças, lutavam como homens. Bartholomew que se apaixonaria de forma mútua ou conveniente por Mary, gostava de se vestir com um casaco vermelho com estamparia de flores douradas e era religioso, usando um crucifico enorme pendurado do peito, coberto de diamantes [3]. Bartholomew Roberts, aliás, mantinha regras de bons tratos a mulheres a bordo, proibia o consumo excessivo de álcool e fazia rezar missa regularmente aos domingos. A impressão que se tem é que o terrível era o Rackham, realmente, e o passivo era Roberts [4]. Nada de admirar portanto que houvesse a bordo todo o tipo de relação sexual entre os quatro, ficando até difícil dizer-se de quem eram os filhos de Mary e de Anne. Talvez de Rackham mais certamente ou do Roberts de casaca vermelha com estampas de flores douradas que rezava missa e desejava boa conduta a bordo. Não tomava rum como todo mundo. Tomava chá. Entre as duas, a julgar pela atração do primeiro encontro até que Mary revelasse que estava vestida de homem mas que era mulher, não se poderia descartar a hipótese de uma relação muito mais afetiva entre as duas. Mas não nos iludamos com Bartholomew Roberts. Ele e Mary atacaram as costas brasileiras, as de África, da América do Norte, enforcou o governador da Martinica Francesa, e impôs pesadas perdas à frotas mercantes de companhias britânicas. Afirmar alguma coisa sobre estes e estas piratas é temeridade. Podem ressurgir numa noite de nevoeiro e fazer-nos engolir as nossas más línguas.  



® Rui Rodrigues





[1] Nassau foi fundada por Maurício de Nassau, de certa forma um pirata que andou invadindo Pernambuco no nordeste do Brasil. 


[2] Invadiu a rica cidade do Panamá saqueando-a para a coroa britânica, com 1.200 homens.
[3] No filme os Piratas do Caribe, o capitão Sparrow sugere tratar-se de Bartholomew
[4] Assim como Batman e Robin.

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