Arquivo do blog

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O Cavalo de Noé e a Arca de Troia

O Cavalo de Noé e a Arca de Troia



Fazer confusões é coisa do dia a dia de nossas vidas. Da minha e da sua, que ora está lendo estas alegres linhas cheias de bom humor, mesmo que com pouca ou nenhuma graça. Claro que a arca foi a de Noé, e o cavalo foi o de Tróia, mas deixei ficar o título assim mesmo porque é preciso que se saiba que fazer confusões é coisa normal e corriqueira desde tempos que ninguém recorda porque só nos ficou a tradição até que veio a escrita. E aí, meus amigos, nossos problemas começaram. Uma vez escrito nada poderia ser corrigido, porque os museus guardam sempre um exemplar para comparação. 
Nem um dilúvio consegue apagar o que já uma vez foi escrito. E é exatamente a história emblemática do dilúvio que aqui se conta numa versão confusa. Ah... Tróia ficava perto de onde Noé estava. Os carpinteiros devem ter sido os mesmos e todos sabiam no lugar que quando as neves das montanhas da Armênia derretiam, o caudal dos rios engrossava e “inundavam tudo ao redor até onde os olhos não alcançam, destruindo tudo ao redor”, tal como escreveram e deixaram gravado os sumérios em placas de argila. As inundações vinham sempre e normalmente nos meses de Abril e Maio.


Temos duas testemunhas históricas: Um rei da suméria chamado Gilgamesh, conforme atestam as tais tabuletas de argila gravadas em escrita cuneiforme, e Moisés, que escreveu, segundo dizem, o Gênesis. Nossa história é de um terceiro, também desconhecido. Todos os três vivendo ali perto, em terras de Canaã, que correspondem hoje aos territórios ocupados pelo Líbano, a Palestina, Israel, partes da Jordânia, do Egito e da Síria. Gilgamesh foi um rei lendário de terras hoje ocupadas pelo Iraque. Troia não se sabe onde fica, mas os gregos que apareceram posteriormente apareceram por lá e rasgaram os mapas. Mas a ideia do cavalo oco cheio de coisas nasceu nessas regiões. Assim falou Xaratróstra, o nosso bardo do dilúvio.

(antes, porém, é preciso que se saiba que naquela época ninguém sabia da existência do planeta Terra nem de sua extensão. Sabiam da existência de terras a norte, sul, em todas as direções, mas não tinham a perspectiva do “descobrimento” e contentavam-se com a visão de um mundo pouco maior do que aquele que viam. Inundar um mundo pequeno destes era muito fácil. Bastava imaginar uma enchente um pouco maior, assim como se espera o terremoto dos terremotos na península da Califórnia que a pode transformar numa jangada de pedra [i])

Assim falou Xaratróstra:




Por aquela época os filhos e as filhas de Deus se uniram às filhas e aos filhos dos homens. Não se sabe quem corrompeu quem, mas a piedade se enfraqueceu e a corrupção tornou-se lei. Deus olhou para baixo das nuvens, olhou, olhou, franziu o sobrolho e chamou Xaratróstra. – Xaratróstra... (gritou)... Vem cá!...
Xaratóstra que estava fazendo um bodoque com as ligas das meias da mãe, largou tudo e foi-lhe ao encontro correndo. Encontrou-o no cimo do monte Ararat.
- Senhor... Aqui me tens!...
- O que estavas fazendo, meu filho?
- Um bodoque para caçar passarinhos.
- Maldito seja a tua raça que não te ensinou bons costumes. Que mal te fazem os passarinhos para que os mates?
- Não era para mim, Senhor... Era para meu pai que gosta deles fritos na farinha de mandioca com dendê.
- Ah!... Logo vi. Bom... O assunto é o seguinte: Vou acabar com a raça dessa miscigenação humana fruto de filhos e filhas de Deuses com filhos e filhas de homens. Não prestam, andam sempre em lutas, guerras, são corruptos e não têm nem piedade de... De... De passarinhos, para que vejas... Vou também aniquilar com esses deuses que criei e que fizeram filhos e filhas que se misturaram com humanos e humanas. Vou acabar com essa sacanagem toda. Agora me irritei. 



Só conheço dois justos: Gilgamesh e Noé. Vou mandar um dilúvio que varrerá toda essa raça da face da Terra, exceto a família desses dois que também pouparei. Corre e diz-lhes que construam uma arca e que metam toda a bicharada dentro, incluindo pássaros e aves porque não terão onde pousar nem o que comer. Mas presta atenção: o desgraçado do porco não pode entrar na arca porque é um animal impuro. Nem o bode nem a cabra, nem todos os que tiverem o casco como o deles. Entendeste?
Xaratróstra assentiu com a cabeça, duas lágrimas escorrendo por seus olhos negros como tição apagado.
- Mas senhor, porque duas arcas?
- Porque um deles pode falhar e a arca afundar, não sejas idiota. Eles não sabem construir nada que preste. Mas olha... O Gilgamesh lançará corvos e o Noé pombas, entendeste?
- Mas por que razão Senhor?
- Perguntas muito, Xaratróstra... Perguntas demasiado. É que assim não se confundirão os dois caso nenhuma das arcas afunde... Entendeste? Senão pensariam que um povo descendente de um teria copiado a história dos descendentes do outro e se geraria uma guerra que poderia acabar com a nova humanidade.
- E os genes senhor? Os genes do antigos descendentes, fruto dos filhos e filhas de deuses na mistura com os humanos e humanas não passarão para as novas gerações?
- Já me estás a irritar, Xaratróstra... Claro que passam, mas eles só descobrirão isso passados milênios. Depois verei se acabo ou não com essa humanidade novamente. Mas da próxima vez será uma crise que consumirá todo o dinheiro existente na face da Terra.
- E como a nova humanidade acabará por falta de dinheiro?
- Quando há falta porque não se produz os que têm menos querem que os que têm mais dividam com eles. Eles até dividem, mas isso lhes tira – aos que têm menos - a “necessidade” de produzir e vão deixando de trabalhar. Começa a faltar mão de obra e os preços sobem gerando inflação. Logo o dinheiro acaba porque não há como substituir nem produzir mais dinheiro todos os dias com inflação cavalar a ponto de para comprar uma ferradura, terem que encher uma arca de 40 côvados de dinheiro. Entendeste? Então se matam em revoluções sangrentas. 



Agora vai, e diz-lhes... Mandarei o projeto da arca nos próximos dias.
- E quando será o dilúvio, Senhor?
- Daqui a 120 anos. Agora vai...

Xaratróstra desceu correndo o monte Ararat. Foi encontrar Gilgamesh no meio de uma farra, cheio de mulheres e mancebos do harém, numa festa do cabide, tomando vinho tinto e comendo pão com carne de porco embutida na própria tripa, defumada, com molho de pimenta, molho de tomate e mostarda amassada.



- Gil... (eram íntimos)... Vem cá... Dá-me uma ânfora desse vinho que preciso tomar um porre...
- Que foi Xara... Que te aconteceu meu amigo? Fedes como porco, estás suado e pareces vesgo...
- Ele vai acabar com todos vocês e os de Noé.  
- Calma... Primeiro... Quem é “Ele”?
- Deus!

Gilgamesh arregalou os olhos, teve um faniquito, um “piripac”, e desmaiou no mármore frio do palácio. Quando acordou, Xaratróstra o pôs a par da situação. Não se esqueceu do detalhe do porco que era um animal nojento, que até havia quem amarrasse as fêmeas e transasse com elas [ii], todos queriam comer porco, vivia chafurdando na lama fétida, transmitia doenças. Não deveria ser embarcado.


Então Deus voltou a chamar Xaratróstra. Xaratróstra saiu correndo de casa e subiu o monte. Chegou ofegante, suado, cheirando a porco.

Deus perguntou-lhe: Muito bem. Chegaste bem rápido. Mas dize-me... O que é isso aí atrás enfiado no teu saiote preso ao cinto?
- É... É um bodoque, Senhor...
- Mas não era para o teu pai caçar passarinhos?
- N... Não... Senhor... Isto aqui é para eu transar com gatas.
- Ora vamos lá... Explica-me isso!
- Senhor... Eu espero a gata passar, escondido atrás de uma árvore ou um muro de casa e dou-lhe um peteleco com o bodoque. Ela fica tonta e eu aproveito e transo.
- AH!... Está bem. Assim não te arranhas... Vou te perdoar essa. Sabes que sou bom e compassivo. O que não gosto é desta humanidade, e tu sabes que os homens e também as mulheres foram feitos à minha imagem. Eles também não gostam da humanidade porque são muitos e lhe fazem sombra. É competição pura. Qualquer motivo é motivo para que alguém queira dominar um grupo, uma nação... Conheço meu gado humano...
-Mas porque me chamaste Senhor?
- Quero que construas tu mesmo dois cavalos enormes de madeira, e enchas com uns animais que te vou trazer em carroças, separando casais distribuindo-os igualmente pelos dois cavalos.
- Mas que animais são esses Senhor?
- São animais que não existem por aqui.  E são vegetais também. Os que não se procriam por semente, mandarei mudas. Animais como o Canguru, o Ornitorrinco e o Equidno, o narval, a foca, a rena, sementes como as de manga, abacate e mamão, mudas de banana...
- Mas aqui não tem disso tudo... Senhor!...
- Eu sei! Por isso estou trazendo. Senão a história do dilúvio fica incoerente, sem sentido. Vou trazer esses animais da Austrália, da Ásia dos polos... Vais pô-los dentro dos cavalos para que não os vejam, não se assustem e não os matem...



E assim se fez e se fizeram as arcas com 300 côvados de comprimento, 50 de largura e 30 de altura, esta distribuída em três andares e coberta com breu que brotava naturalmente, uma espécie de asfalto de refinarias que naquela época ainda não existiam. Gilgamesh e Noé trabalharam durante cem anos durante os quais a humanidade comia, bebia, se divertia e fazia casamentos gerando filhos.




As reações aos cavalos foi a mesma por parte de Gilgamesh e Noé. Aceitaram como presente de Deus. Quando os desembarcaram, levaram-nos até a margem do mar e eles saíram navegando mar afora a caminho de lugares ainda inimagináveis naquela época. A humanidade (a nova) ficou milênios sem saber que existiam. 

Não se sabe, embora se desconfie, quem colocou o casal de porcos nas duas arcas embora fossem carne proibida. Noé não seria, nem Gilgamesh porque eram tementes a Deus, perfeitos porque ou não tinham genes de deuses ou não tinham genes de humanos, porque a mistura, como Deus dissera, era uma desgraça e por isso iria aniquilar a humanidade. Sobravam o próprio Deus e o Xaratróstra. Não temos dúvidas que a culpa foi do Xaratróstra...


Por 40 dias e 40 noites as águas das montanhas da Armênia desceram e inundaram tudo, juntando-se às águas das chuvas que caíram torrencialmente por igual período cobrindo toda a “terra” conhecida porque vista. Gilgamesh lançou seus corvos e Noé suas pombas como Deus os instruíra em separado. Quando nem corvos nem pombas voltaram, desembarcaram. Era sinal de que haviam pousado, já que não havia predadores vivos. De um cruzamento bem sucedido entre pombas e corvos, ou de outras aves que não chegamos a conhecer por terem sido extintas, nasceu o urubu, que hoje é a mascote da torcida do Flamengo no Rio de Janeiro. Ainda hoje se procuram as duas arcas que por serem de madeira... Imagina... Já foram comidas por fungos que ninguém reparou, mas também estavam na arca. Eles e os champinhons.




Ninguém informou como foram preservados os casais de peixes do mar, que como se sabe, não aguentam viver em água doce por mais do que umas poucas horas, mas deve ter sido construído um piscinão maior do que o de Ramos. Procuram-se os descendentes de Xaratróstra...


 ® Rui Rodrigues







[i] Provavelmente a base de inspiração do escritor português José Saramago em livro intitulado “jangada de pedra”, porém imaginando que a península ibérica fosse a que se desprendia do continente europeu.
[ii] Mulheres transavam com cavalos e cães até se casarem porque as famílias não permitiam o sexo antes do casamento.  Alguns moleques transavam com cabras e ovelhas. Parece que ainda fazem muito disso, sinal de que a humanidade , a tal, lá dos tempos de outrora continua sendo a mesma e herdou genes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Grato por seus comentários.