O
céu [i]
tem catraca e cobrador
Quando tinha
uns não sei quantos anos, mais ou menos nessa idade, comecei a preocupar-me com
o céu. Do primeiro testamento e pesquisando na religião judaica, percebi que
não existe céu como “um lugar” aonde se vai depois de morto, para receber a
recompensa de uma vida passada em graça. Na Bíblia Cristã, no segundo
testamento, essa possibilidade é mencionada. Seria possível dependendo de meu comportamento
durante a vida, sendo certo que seria muito difícil, insano, ainda mais para
quem já nasce com um pecado capital que é limpo quando se recebe água benta ou
se mergulha no rio Jordão (este não precisa ser benzido e ficamos na dúvida se
outros rios precisam ser benzidos ou se
têm a mesma propriedade)... Algumas religiões também têm céu. Outras não. Céu é
lugar de deuses, não de humanos mortos. Perguntei se podia levar a minha gata
Sarkye, que não fez nunca mal a ninguém, mas não souberam informar.
Perguntei
em muitos postos de informação – os templos - sobre como seria o céu que
oferecem, sendo que em alguns destes postos se compram lugares no céu, em troca
de algumas dádivas para os templos. Mas não havendo despesas com papelada,
transporte, etc. achei muito caro e desisti. Desisti não por simplesmente ser caro,
mas porque ninguém me soube dizer como seria o céu, ou paraíso... Num dos
postos de informação disseram que se eu fosse um guerreiro e matasse muitos
inimigos ganharia um céu especial: Com sete virgens me esperando. Virgens sem
nenhuma experiência sexual, como quem estupra neném não faz o meu gênero.
Fiquei imaginando se poderia levar minha noiva para lá, mas face à proposta, eu
correria o risco de ela ser guerreira e em vez de mim encontrar no paraíso sete
mancebos virgens para ela se esbaldar.
Então fui
à procura de alguém que me pudesse informar com toda certeza como era o céu, ou
paraíso... Como não encontrei ninguém que soubesse informar, porque só faziam
referências a livros e os livros discordavam entre si, resolvi procurar por mim
mesmo. Procurei anos a fio, até desistir, mas antes consegui levantar algumas premissas
à luz do conhecimento moderno. Céu é céu, um lugar onde se entra e não se sabe
se se sai, e como acontece com todas as entradas deve ter catracas [ii] e cobradores. As catracas
devem permitir a passagem de gordos e gordas, os cobradores devem ter sempre
troco. Devem ter sempre troco porque cada povo tem seus costumes, e os
respectivos céus devem estar locados em lugares adequados, senão seria um
inferno e não um céu. Como um lugar deve ficar mais longe do que outros, o
valor da passagem não pode ser único. Seria injusto. E como hoje em dia com a
NET há amigos em todos os países e de todas as regiões, deve ser permitida a
passagem de lugar para lugar para visita-los. Como nada é de graça, até porque para entrar temos que fazer "boas ações", para se visitar os amigos há que pagar as passagens, e para ter capital para pagar as passagens tem que haver agência de empregos. Mas com certeza mesmo, ninguém me
soube informar. Vinham com evasivas.
Finalmente
percebi muito facilmente que o paraíso já existiu aqui neste planeta há milhões
de anos atrás. Depois estragamos o convívio entre animais e nós mesmos, e entre
nós mesmos, agredimos a natureza caçando-nos uns aos outros. Vieram as guerras,
as mortes, as doenças porque se incentivava a aglomeração humana, reunindo porcos
depósitos de dejetos a céu aberto, conspurcamos a própria água que teríamos de
beber. Mataram-se animais à paulada, estrebuchando pelo chão em meio a poças de
sangue, formamos exércitos destinados a matar, matar, matar, fazer escravos.
Aprendemos com os escravos a ganhar a vida sem trabalhar. Continuamos a fazer
escravos agora com outros nomes mais pomposos, mais “nobres”, embora se viva em
repúblicas que deveriam estar no banco dos réus.
E percebi
finalmente que ninguém, ou quase ninguém, talvez tantos quantos possam passar
pelo buraco da agulha por onde alguns camelos podem passar, sabe realmente, com
propriedade onde fica o céu, o que ele contém, como é a “vida” por lá... É tudo
mídia. Apenas informação tal como se pode encontrar em qualquer revista de
ficção científica, ou nas revistas em quadrinhos.
Há Deus [iii]? Claro que sim, mas tal
como não nos conta quais são as leis que regem o Universo, também não nos contou
como é o céu. Tal como acontece com as leis que regem o Universo também o céu
teremos que descobrir se existe ou não, como é e o que se faz por lá, mas há
fortes indícios de que o céu – ou paraíso – pode existir aqui mesmo na Terra.
Para uns já existe, mas é temporário: ao fim de algum tempo vão à falência e
perdem o céu. Outros perdem o poder e passam pela catraca do inferno [iv] depois de terem mandando
todo mundo – menos alguns camelos – para os quintos dos infernos. Mas para
vivermos todos no céu não necessitamos esperar que algum astronauta dê a volta
ao Universo para provar que ele é redondo... Perfeitamente redondo sem ter
espichado nem um só ano-luz para qualquer lado. Mas é tão grande, tão grande,
mas tão grande, que podemos afirmar que ele é plano e que não tem nenhuma tartaruga
suportando todo esse mundo sem fim.
E também não
há dragões, monstros marinhos, aéreos ou terrestres, impedindo a passagem do
Universo para o céu...
® Rui
Rodrigues
[i]
Céu ou paraíso... Para quem achar que são duas coisas diferentes, é ao paraíso
que me refiro, aquele lugar para onde se pode ir mas parece que ninguém vai: Só
os que puderem passar pelo mesmo buraco da agulha que os camelos podem passar.
[ii] – Precisam aprender com a União Europeia a elaborar
manuais de padronização de bens e produtos para que estejam disponíveis sempre
com a mesma qualidade
[iii]
Pra mim existe, mas posso garantir que não se parece em quase nada com o Deus
que todos conhecem... O Deus que imagino é muito mais forte, mais poderoso,
mais omnipotente e muito mais inteligente do que se imagina por aí, mas isso
não faz de mim um ser igual a ele nem à sua semelhança. Se fizesse eu não
ficaria aqui neste mundo. Iria para bem longe...
[iv]
Este é outro problema... Pode haver só céu, céu e inferno, ou só inferno...
Pelos buracos das agulhas passam alguns camelos, por outros nem vírus,
moléculas, átomos ou partículas de Higgs passarão.
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