Divagando devagar
Dia de chuva a pensar em
dias de sol, cai-me um anjo do céu, melhor que é uma anja, porque tem sexo, é
do gênero feminino.
Não privaria Deus qualquer
obra sua de não ter sexos diferenciados, porque até a eletricidade é positiva e
negativa, num mundo em perfeito equilíbrio. E não tem penas. Absolutamente, a
anja – termo este que nem existe nos dicionários – não tinha uma única pena.
Não tive pena, e pelo contrário, fiquei muito feliz que as não tivesse.
Não me importa de onde
vieram as anjas, de onde vêem, para onde vão. O que pretendem fazer. Passam
sempre em frente à minha janela, mas nem todas são como esta que acabo de ver,
olhando-me à distancia. Se as anjas não pretendem fazer, contamos-lhes o que
desejamos que façam, e se fizerem, será bem feito, porque são anjas. Também
lhes fazemos o que querem. È uma troca livre sem qualquer filosofia ou
religião, porque é reação química, por vezes até explosiva, seguramente
exotérmica, porque se sua muito, e se explode em arfares de peito nas agitações
dos líquidos com a vareta da química.
Há, Deus! Como aprecio o
estudo da química, a elaboração de reações, quando o fazemos com uma anja. Mas
fico triste, porque as anjas não são comuns. São raras. Aparecem, ficam e
partem, quando não as fazemos partir por que a reação chegou ao fim. Já me
aconteceu de ter recebido uma anja em meu laboratório e nem com a aplicação da
física chegarmos a qualquer reação. Mas não quero falar de fins. Apenas de
começos e meios e deixar aos céus o decidir da vida.
Ainda anda a pairar nos ares
a anja. Olha-me. Olho-a. Adora-me. Adoro-a. Acariciamo-nos pelos olhares. É uma
dança, um tango talvez. Não. Tango não é porque é triste. Anjas não fazem nem
dizem coisas tristes. Deve ser outra dança. Uma dança sem nome, sem ritmo, só balançando
o corpo suavemente, como quem chama por mim num sussurro de meu nome e depois,
num outro sussurro, um verbo de desejo como quem me diz, vem!
E são vários os significados
desse vem, que tanto podem significar que devo ir, ou que já estou a chegar, já
cheguei, já indo-me. É essa a natureza da natureza de ser-se naturalmente
natural. Como rejeitar ou recriminar o que é natural? Porque se estabelecem
tabus que são tão antinaturais, negando a natureza divina da aproximação, do
compartilhar, do ser-se e nada mais?
Não há restrições naturais
para o que é natural. A anja sabe disso. Eu sei também.
O dia continua chuvoso. A
chuva é um ingrediente das reações químicas da vida, e enquanto nos olhamos,
ainda á distância, vou apenas imaginando se um dia a acompanharei ou me
acompanhará numa dança, num dormir lânguido, no apreciar de uma música,
enquanto elaboramos uma reação química. Gosto das explosivas, as que começam
suavemente e sempre têm um final explosivo, o corpo suado, corpos arfantes, pedindo
uma taça de vinho para repor as energias perdidas na reação. Não raro repetimos
reações.
É linda e bela, perfeita! Vou pintá-la numa tela com dimensões áureas. Uma anja maga! Uma anja sem penas, sem passado, corpo e sexo latentes, pulsantes de desejo.
Rui Rodrigues
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