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sábado, 16 de junho de 2012

Divagando devagar - A anja





Divagando devagar


Dia de chuva a pensar em dias de sol, cai-me um anjo do céu, melhor que é uma anja, porque tem sexo, é do gênero feminino.

Não privaria Deus qualquer obra sua de não ter sexos diferenciados, porque até a eletricidade é positiva e negativa, num mundo em perfeito equilíbrio. E não tem penas. Absolutamente, a anja – termo este que nem existe nos dicionários – não tinha uma única pena. Não tive pena, e pelo contrário, fiquei muito feliz que as não tivesse.

Não me importa de onde vieram as anjas, de onde vêem, para onde vão. O que pretendem fazer. Passam sempre em frente à minha janela, mas nem todas são como esta que acabo de ver, olhando-me à distancia. Se as anjas não pretendem fazer, contamos-lhes o que desejamos que façam, e se fizerem, será bem feito, porque são anjas. Também lhes fazemos o que querem. È uma troca livre sem qualquer filosofia ou religião, porque é reação química, por vezes até explosiva, seguramente exotérmica, porque se sua muito, e se explode em arfares de peito nas agitações dos líquidos com a vareta da química.

Há, Deus! Como aprecio o estudo da química, a elaboração de reações, quando o fazemos com uma anja. Mas fico triste, porque as anjas não são comuns. São raras. Aparecem, ficam e partem, quando não as fazemos partir por que a reação chegou ao fim. Já me aconteceu de ter recebido uma anja em meu laboratório e nem com a aplicação da física chegarmos a qualquer reação. Mas não quero falar de fins. Apenas de começos e meios e deixar aos céus o decidir da vida.

Ainda anda a pairar nos ares a anja. Olha-me. Olho-a. Adora-me. Adoro-a. Acariciamo-nos pelos olhares. É uma dança, um tango talvez. Não. Tango não é porque é triste. Anjas não fazem nem dizem coisas tristes. Deve ser outra dança. Uma dança sem nome, sem ritmo, só balançando o corpo suavemente, como quem chama por mim num sussurro de meu nome e depois, num outro sussurro, um verbo de desejo como quem me diz, vem!

E são vários os significados desse vem, que tanto podem significar que devo ir, ou que já estou a chegar, já cheguei, já indo-me. É essa a natureza da natureza de ser-se naturalmente natural. Como rejeitar ou recriminar o que é natural? Porque se estabelecem tabus que são tão antinaturais, negando a natureza divina da aproximação, do compartilhar, do ser-se e nada mais?

Não há restrições naturais para o que é natural. A anja sabe disso. Eu sei também.

O dia continua chuvoso. A chuva é um ingrediente das reações químicas da vida, e enquanto nos olhamos, ainda á distância, vou apenas imaginando se um dia a acompanharei ou me acompanhará numa dança, num dormir lânguido, no apreciar de uma música, enquanto elaboramos uma reação química. Gosto das explosivas, as que começam suavemente e sempre têm um final explosivo, o corpo suado, corpos arfantes, pedindo uma taça de vinho para repor as energias perdidas na reação. Não raro repetimos reações.

É linda e bela, perfeita! Vou pintá-la numa tela com dimensões áureas. Uma anja maga! Uma anja sem penas, sem passado, corpo e sexo latentes, pulsantes de desejo.

Rui Rodrigues

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